Page 20 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 11.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-1_Neat
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rotina de constante renovação das pessoas, que nunca permaneciam
encarregadas dos cuidados com Isabeau por tempo suficiente para nada
parecido com uma relação afetiva.
Com frequência regular e com fria precisão, eram trocadas as vozes e os rostos,
mas persistiam as mesmas eternas atitudes impessoais e desinteressadas, com
a eficácia exata para o cumprimento da tarefa encomendada e regiamente
paga.
Sob tal condição a menina vivia como uma autômata. Alimenta-se, banhava-
se, vestia-se, estudava suas lições, distraia-se com os muitos jogos e
brinquedos espalhados pelo casarão e permanecia completamente solitária e
infeliz e ignorante da própria solidão e infelicidade.
Desses anos sombrios a mais amarga das lembranças de Isabeau e a única
capaz de levá-la a incontroláveis lágrimas era também a mais importante
porque marcava uma mudança completa em sua vida.
O fato acontecera em um anoitecer no casarão Gatopardo, num intervalo
entre as infindáveis viagens e uma das raríssimas ocasiões em que seu avô e
seu tio avô decidiram permanecer em Terra Alta por pouco mais de um dia.
Nessa ocasião especial a menina decidira esclarecer uma dúvida que a estava
consumindo desde uma conversa perturbadora com Consuelo, a cozinheira de
pele trigueira e sorriso fácil, recentemente contratada.
Vinda há poucas semanas, através de uma agência de empregos utilizada pelos
advogados de Victor, Consuelo encontrara no casarão envolto em brumas
tristes, aquela menina calada. Nessa época Isabeau era meio arisca, enfiada
em velhas roupas desgastadas, desajeitadas, impróprias e grandes demais
para ela e com a necessidade dolorosa de ser vista. Com o coração esmagado
sob o peso da dor da criança, Consuelo derreteu-se para com ela em atenções
e amabilidades.