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O helenismo arcaico manifestou suas forças na série de seus
filósofos. Com Sócrates se interrompe essa manifestação: ele procura
produzir-se a si mesmo e repudiar toda tradição.
Minha tarefa, de uma maneira geral: mostrar como a vida, a
filosofia e a arte podem ter uma para com a outra uma relação de profundo
parentesco, sem que a filosofia se torne chata nem a vida do filósofo
mentirosa.
É magnífico que os antigos filósofos tenham podido viver tão
livres, sem por isso se tornarem loucos nem virtuoses. A liberdade do
indivíduo era imensamente grande.
A falsa oposição entre a vida prática e a vida contemplativa é
asiática. Os gregos compreendiam melhor as coisas.
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Pode-se apresentar esses filósofos arcaicos como aqueles para
quem a atmosfera e os costumes gregos são uma cadeia e uma prisão: por
isso eles se emancipam (combate de Heráclito contra Homero 64 e
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Hesíodo , de Pitágoras contra a secularização, de todos contra o mito,
particularmente Demócrito). Têm em sua natureza uma lacuna, ao
contrário do artista grego e, parece, ao contrário do homem de Estado.
Vejo-os como os precursores de uma reforma dos gregos: mas não
os precursores de Sócrates. Pelo contrário, sua reforma não vinga e em
Pitágoras permanece no estado de seita. Um conjunto de fenômenos
carrega todo esse espírito de reforma — o desenvolvimento da tragédia. O
reformador que falta é Empédocles; após seu fracasso nada existe além de
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Sócrates.. Assim a hostilidade de Aristóteles em relação a Empédocles é
perfeitamente compreensível.
Empédocles — república — transformação da vida reforma popular
64 Homero (séc. IX a.C.), poeta épico grego, autor, segundo a tradição, das obras-primas Ilíada e Odisséia
(NT).
65 Hesíodo (séc. VIII a.C.), poeta grego, considerado o pai da poesia didática (NT).
66 Aristóteles (384-322), filósofo grego; dentre suas obras, A politica já foi publicada nesta coleção da
Editora Escala (NT).