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antiguidade. Pelo contrário, os gregos viveram o inverso sob o reino da
grande liberdade de pensamento, politeístas e sem pressões, se sentiam à
vontade em crer e não crer mais. Falta-lhes por isso o prazer na finura do
jogo de palavras, sendo alheios ao gênero de gracejos preferidos dos
tempos modernos. Os gregos foram pouco espirituais; é por isso que se fez
tanto caso da ironia de Sócrates. Acho que Platão é nisso um pouco
pesado.
Os gregos estiveram, com Empédocles e Demócrito, no bom
caminho para avaliar corretamente a existência humana, sua
irracionalidade, seu sofrimento: não chegaram lá por causa de Sócrates. O
olhar imparcial sobre os homens é o que falta a todos os socráticos que têm
na cabeça as vis abstrações "o bem, o justo". Que se leia Schopenhauer e
que se pergunte porque faltou aos antigos semelhante liberdade e
profundidade de olhar — deveria isso ter existido neles? É o que não vejo.
Pelo contrário. Perderam a ingenuidade por causa de Sócrates. Seus mitos
e suas tragédias são muito mais sábias que as éticas de Platão e de
Aristóteles; e seus estóicos ou seus epicuristas são pobres em comparação
com os poetas e os homens de Estado anteriores.
A influência de Sócrates:
1. Destruiu a ingenuidade do juízo ético.
2. Reduziu a ciência a nada.
3. Não tinha nenhum senso pela arte.
4. Arrancou o indivíduo de sua ligação histórica.
5. Indiscrição dialética e tagarelice conveniente.
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Não acredito mais no "desenvolvimento de acordo com a natureza"
a propósito dos gregos: eram demasiadamente dotados para se ligarem a
isso tão gradualmente e passo a passo como acontece com a pedra e com a
tolice. As guerras contra os persas foram a desgraça nacional: o sucesso foi
demasiado grande, todos os maus instintos se manifestaram; o desejo