Page 112 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 112
e se acomodam a ela com docilidade e utilidade; vêem que no mundo, se
podemos encontrar matéria para nos instruirmos, não podemos encontrar a
75
felicidade e acabam por dizer com Petrarca : "altro diletto, che'mparar,
non provo" (outro dileto, que aprender não tento). Desse modo, pode
mesmo acontecer que seus desejos e suas aspirações, por assim dizer, só
sigam ainda a aparência e divertindo-se, mas no fundo eles próprios só
fazem esperar um ensinamento; é o que lhes dá então uma aparência
contemplativa, genial, sublime" (Parerga, 1, 394; compará-los com os
socráticos e com sua caça à felicidade!).
199
É uma bela verdade que, para que a melhoria e o conhecimento se
tornem o objetivo da vida, todas as coisas servem. Mas só é verdade com
restrições: um aspirante ao conhecimento obrigado ao trabalho mais
desgastante, um homem em vias de se aprimorar enervado e alterado por
doenças! Em tudo, isso pode ser admitido: a premeditação aparente do
destino reside no fato de que o indivíduo que põe em ordem sua vida e
extrai uma lição de todas as coisas aspira ao conhecimento como a abelha
ao mel. Mas o destino que se abate sobre um povo atinge uma totalidade
que não pode refletir sobre sua vida dessa maneira e compreendê-la em sua
finalidade; assim a premeditação nos povos é uma trapaça devida a
cérebros sutis; nada é mais fácil do que mostrar a não-premeditação, por
exemplo, no caso de um campo que, em plena floração, é subitamente
atingido por uma nevasca e tudo morre. Há nisso tanta estupidez como na
natureza. Até certo ponto cada povo, mesmo nas circunstâncias mais
desfavoráveis, vai até o fim de uma realização que corresponde a suas
aptidões. Mas para que possa realizar aquilo de que é capaz é necessário
que certos acidentes não aconteçam. Os gregos não realizaram tudo aquilo
de que eram capazes. Mesmo os atenienses teriam ido mais longe sem o
furor político depois das guerras contra os persas: que se pense em Esquilo
que saiu de uma época anterior a essas guerras e que estava descontente
com os atenienses de seu tempo.
Considerando-se o estado desfavorável das cidades gregas depois
das guerras persas, certo número de condições propícias ao nascimento e
75 Francesco Petrarca (1304-1374), poeta e humanista italiano; deixou várias obras de cunho histórico,
filosófico e poético (NT).