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Como a arte é somente possível como mentira?

              Meu olho, fechado, vê em si mesmo inumeráveis imagens móveis
       — estas são o produto da imaginação e sei que não correspondem à
       realidade. Não creio, portanto, nelas senão como imagens, não como
       realidades.

              Superfícies, formas.

              A arte detém a alegria de despertar crenças por meio das
       superfícies: mas não somos enganados! Senão a arte acabaria.

              A arte nos faz deslizar numa ilusão — mas não somos enganados?


              De onde vem a alegria de uma ilusão procurada, na aparência que é
       sempre conhecida como aparência?

              A arte trata, portanto, a aparência como aparência, não quer, pois,
       enganar, é verdadeira.


              A pura consideração sem desejo só é possível com a aparência que
       é reconhecida como aparência, que não quer de modo algum conduzir à
       crença e, nessa medida, não incita em absoluto nossa vontade.

              Só aquele que pudesse considerar o mundo inteiro como aparência
       estaria em condições de considerá-lo sem desejo e sem instinto: o artista e
       o filósofo. Aqui o instinto cessa.

              Enquanto procurarmos a verdade no mundo, ficamos sob o domínio
       do instinto: mas este quer o prazer e não a verdade, quer a crença na
       verdade, isto é, os efeitos de prazer dessa crença.


              O mundo como aparência — o santo, o artista, o filósofo.


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              Todos os instintos eudemônicos despertam a crença na verdade das
       coisas, do mundo — assim toda a ciência — dirigida para o devir, não para
       o ser.
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