Page 25 - Microsoft Word - FRIEDRICH NIETZSCHE - O Livro do Filosofo.doc
P. 25

Tampouco se deve temer que o homem se conheça inteiramente,
       que penetre a todo o instante em todas as leis das forças da alavanca, da
       mecânica, todas as fórmulas da arquitetura, da química, que são úteis à
       vida. É bem possível que o esquema inteiro se torne conhecido. Isso não
       altera quase nada a nossa vida. Para ela, nisso tudo só há fórmulas
       designando forças absolutamente inconhecíveis.


                                         51


              Vivemos seguramente, graças ao caráter superficial de nosso
       intelecto, numa ilusão perpétua: necessitamos, portanto, para viver da arte
       a cada instante. Nossa visão nos prende às formas. Mas se somos nós
       próprios aqueles que educamos essa visão, vemos também reinar em nós
       mesmos uma força artista. Vemos até mesmo na natureza mecanismos
       contrários ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da
       natureza e diz: "Temos necessidade da arte" e "só precisamos de uma parte
       do saber".


                                         52


              Toda a forma de civilização começa pelo fato de que uma
       quantidade de coisas é velada. O progresso do homem depende desse véu
       — a vida numa pura e nobre esfera e a exclusão das excitações vulgares. O
       combate contra a "sensibilidade" por meio da virtude é essencialmente de
       natureza estética. Quando tomamos por guias as grandes individualidades,
       velamos nelas muitas cosias, escondemos todas as circunstâncias e todos
       os acasos que tornam possível seu conhecimento, nós os isolamos de nós
       para venerá-los. Toda religião comporta um elemento semelhante: os
       homens sob a divina proteção, é o que há de infinitamente importante.
       Com efeito, toda ética começa por levar em consideração um indivíduo
       particular como sendo infinitamente importante — de forma totalmente
       diferente daquela da natureza que procede cruelmente e como se jogasse.
       Se somos melhores e mais nobres, nós o devemos às ilusões isolantes!


              A ciência da natureza opõe agora a isso a verdade natural absoluta:
       a fisiologia superior compreenderá seguramente já em nosso devir as
       forças artistas, não somente no devir do homem, mas também naquele do
       animal: ela dirá que o artístico começa também com o orgánico.
   20   21   22   23   24   25   26   27   28   29   30