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Tampouco se deve temer que o homem se conheça inteiramente,
que penetre a todo o instante em todas as leis das forças da alavanca, da
mecânica, todas as fórmulas da arquitetura, da química, que são úteis à
vida. É bem possível que o esquema inteiro se torne conhecido. Isso não
altera quase nada a nossa vida. Para ela, nisso tudo só há fórmulas
designando forças absolutamente inconhecíveis.
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Vivemos seguramente, graças ao caráter superficial de nosso
intelecto, numa ilusão perpétua: necessitamos, portanto, para viver da arte
a cada instante. Nossa visão nos prende às formas. Mas se somos nós
próprios aqueles que educamos essa visão, vemos também reinar em nós
mesmos uma força artista. Vemos até mesmo na natureza mecanismos
contrários ao saber absoluto: o filósofo reconhece a linguagem da
natureza e diz: "Temos necessidade da arte" e "só precisamos de uma parte
do saber".
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Toda a forma de civilização começa pelo fato de que uma
quantidade de coisas é velada. O progresso do homem depende desse véu
— a vida numa pura e nobre esfera e a exclusão das excitações vulgares. O
combate contra a "sensibilidade" por meio da virtude é essencialmente de
natureza estética. Quando tomamos por guias as grandes individualidades,
velamos nelas muitas cosias, escondemos todas as circunstâncias e todos
os acasos que tornam possível seu conhecimento, nós os isolamos de nós
para venerá-los. Toda religião comporta um elemento semelhante: os
homens sob a divina proteção, é o que há de infinitamente importante.
Com efeito, toda ética começa por levar em consideração um indivíduo
particular como sendo infinitamente importante — de forma totalmente
diferente daquela da natureza que procede cruelmente e como se jogasse.
Se somos melhores e mais nobres, nós o devemos às ilusões isolantes!
A ciência da natureza opõe agora a isso a verdade natural absoluta:
a fisiologia superior compreenderá seguramente já em nosso devir as
forças artistas, não somente no devir do homem, mas também naquele do
animal: ela dirá que o artístico começa também com o orgánico.