Page 36 - O Cavaleiro da Dinamarca
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ouvia. As ramagens roçavam-lhe a cara e caminhava sem norte e sem
oriente.
O cavalo enterrava-se na neve e avançava muito devagar. Até que de
repente parou. O homem tocou-o com as esporas, mas ele continuou
imóvel e hirto.
— Vou morrer esta noite — pensou o Cavaleiro —.
Então lembrou-se da grande noite azul de Jerusalém toda bordada de
constelações. E lembrou-se de Baltasar, Gaspar e Melchior, que tinham
lido no céu o seu caminho. O céu aqui era escuro, velado, pesado de
silêncio. Nele não se ouvia nenhuma voz nem se via nenhum sinal. Mas
foi em frente desse céu fechado e mudo que o Cavaleiro rezou.
Rezou a oração dos Anjos, o grande grito de alegria, de confiança e de
aliança que numa noite antiquíssima
tinha atravessado o céu transparente da Judeia. As palavras ergueram-se
uma por uma no puro silêncio da neve:
— Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Então na massa escura dos arvoredos começou ao longe a crescer uma
pequena claridade.
— Deus seja bendito — murmurou o Cavaleiro —. Deve ser uma
fogueira. Deve ser algum lenhador perdido como eu que acendeu uma
fogueira. A minha reza foi ouvida. Junto dum lume e ao lado de outro
homem poderei esperar pelo nascer do dia.
O cavalo relinchou. Também ele tinha visto a luz. E reunindo as suas
forças, o homem e o animal recomeçaram a avançar.
A luz continuava a crescer e à medida que crescia, subindo do chão