Page 6 - Leandro Rei da Helíria
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REI: Claro que tenho inimigos. Para que serve um rei que não tem inimigos?
BOBO: Realmente não devia ter graça nenhuma. Eu cá, de cada vez que me armam uma cilada e
acabo espancado no pelourinho, também digo sempre: «Ainda bem que tenho inimigos, ainda bem
que tenho inimigos»... Se ninguém me batesse, se ninguém me cobrisse o corpo de pontapés, acho
mesmo que era capaz de morrer de pasmo...
REI: Zombas de mim?
BOBO: Que ideia, senhor! Como posso zombar de ti, se penso como tu pensas?
REI: Parecia...
BOBO: É o que eu digo: efeitos desse maldito sonho. Por que não o esqueces de vez?
REI: Tens razão. Farei por esquecê-lo. Não tenho motivos nenhuns para estar inquieto. Ainda por
cima... (com um sorriso enlevado) ainda por cima com estas flores que são a luz dos meus olhos!
(Aponta para Hortênsia e Amarílis, que entram nesse momento, com as suas aias)
Cena II
Hortênsia, Amarílis, Rei, Bobo, Aias
HORTÊNSIA: Faláveis de nós, meu pai?
REI: Pois de quem mais poderia ser? Não sois vós o sol que alumia a minha velhice?
AMARÍLIS: Velhice? Quem vos ouvir pensará que o vosso fim está perto! Meu pai: vós sois ainda um
jovem, estais agora na plena posse de vossas faculdades!...
HORTÊNSIA: Tomaram muitos príncipes moços, dos reinos vizinhos, terem a vossa agilidade, o
vosso tato, a vossa inteligência, a vossa lucidez...
BOBO: A vossa quê?!
HORTÊNSIA (impaciente): Lucidez.
BOBO: Ah! Pareceu-me ouvir falar em Lucifer, e eu com esse não quero conversas! (Canta:)
Foge de mim, Lucifer
que te esmago se eu quiser
com pilão ou com colher
para depois te comer
Vá de retro Satanás
que te meto no cabaz
onde esmagado serás
pelas pinças da tenaz
vai à vida Belzebu
mete os cornos no baú