Page 7 - Leandro Rei da Helíria
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que te embrulho em pano-cru
                                                    e te como com peru

                                                    glu glu glu glu glu glu glu
                  AMARÍLÍS: Cala-te, impertinente! Só dizes inconveniências! És a vergonha desta corte.

                  BOBO: Ah! Agora sou impertinente! Agora sou a vergonha desta corte!


                  REI: Não estás a ser um modelo de virtudes, hás de concordar...

                  BOBO (para Amarílis): Pois é, mas há bocado, quando me chamaste para eu te cantar umas trovas
                  sobre a tua irmãzinha (aponta para Hortênsia), já eu te servia, já eu não dizia inconveniências...

                  HORTÊNSIA (intrigada): Trovas a meu respeito?

                  AMARÍLIS (aflita): Não foi nada do que estás a pensar...

                  HORTÊNSIA: O que vem a ser isso?


                  AMARÍLIS: Nada, nada...

                  BOBO: Quem nada não se afoga...

                  HORTÊNSIA: Quero saber, já!, o que foi que tu cantaste a meu respeito, bobo imbecil!

                  BOBO: Eu? Eu não cantei nada! Posso ser imbecil, mas não sou maluco!... Ela (aponta para Amarílis),

                  ela  é  que  me  pediu.  Que  estava  aborrecida,  dizia  ela.  Que  eu  inventasse cantoria  afinada  a  teu
                  respeito, coisa caprichada, que a fizesse rir à gargalhada...


                  HORTÊNSIA: Não faltava mais nada senão ser motivo de chacota para a minha irmã! E afinal que foi
                  que tu cantaste, velho doido?

                  BOBO: Nada, senhora, que eu gosto  muito  da  minha pele e  não me estava a apetecer ser logo
                  chicoteado pela manhã, se por acaso tu me ouvisses.

                  REI: Não és tão doido como pareces...

                  BOBO: Mas ela é que não se calava... e lá ia mandando o mote...


                  AMARÍLIS: Não lhe dês ouvidos!

                  BOBO (imitando-a): «Tu que tão bem sabes cantar», dizia ela, «bem podias versejar agora para me
                  pores  bem--disposta»,  dizia  ela,  «bastaria  olhares  para  Hortênsia,  para  o seu  ar  de  galinha
                  emproada», dizia ela...

                  HORTÊNSIA (esbraceja, agarrada por duas aias): Maldita!


                  BOBO: ...«para a sua voz de gata em noite de lua cheia», dizia ela, «para o seu andar que mais
                  parece a jumenta do moleiro quando sobe a encosta carregada de sacos de farinha», dizia ela...


                  HORTÊNSIA: «A jumenta do moleiro»... Eu mato-a! Eu mato-a!

                  AMARÍLIS (agarrada por duas aias): Eu dou cabo de ti, miserável linguarudo!
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