Page 10 - As Viagens de Gulliver
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tintura de senso comum, e Smithfield*, refulgindo com pirâmides de livros de
leis; a educação da jovem nobreza inteiramente mudada; os médicos banidos; as
fêmeas Yahus abundando em virtude, honra, fidelidade e bom senso; cortes e
reuniões de grandes ministros inteiramente sem joio ou mácula; juízo, mérito, e
aprendizado agraciados; todos depreciadores da imprensa em prosa e verso
condenados a comer nada mais que seu próprio papel, e saciar sua sede com sua
própria tinta. Estas, e milhares de outras reformas, contava firmemente por seu
encorajamento; como de fato eram completamente deduzíveis dos preceitos
externados em meu livro. E é preciso confessar, que sete meses eram um tempo
suficiente para corrigir cada vício e loucura às quais os Yahus estão sujeitos, se
suas naturezas tivessem sido capazes de mínima disposição à virtude ou à
sabedoria. Já, tão longe você esteve de responder minha expectativa em qualquer
de suas cartas; que pelo contrário você está abarrotando nosso correio cada
semana com libelos, e chaves, e reflexões, e memórias, e segundas partes; em
que me vejo acusado de refletir sobre o povo do grande estado; de degradar a
natureza humana (pois assim têm ainda a confiança de descrevê-la), e de abusar
do sexo feminino. Descobri igualmente que os escritores destes volumes não
estão concordes entre si; pois alguns deles não me consentem ser o autor de
minhas próprias viagens; e outros fazem-me autor de livros dos quais sou
totalmente estranho.
Descobri igualmente que seu impressor foi tão descuidado a ponto de
confundir as épocas, e errar as datas, de minha várias viagens e retornos; quer
designando o verdadeiro ano, nem o verdadeiro mês; nem dia do mês: e ouvi que
o manuscrito original está todo destruído desde a publicação de meu livro; quer
tenho qualquer cópia remanescente: contudo, enviei-lhe algumas correções, que
pode insertar, caso haja algum dia uma segunda edição: e embora não possa
sustentá-las; mas deixarei esta questão para ser ajustada pelos meus judiciosos e
cândidos leitores como queiram.
Ouvi alguns de nossos Yahus do mar acharem erros em minha liguagem
marítima, como não adequada em muitas partes, nem atualmente em uso. Não
posso ajudar nisso. Em minhas primeiras viagens, quando jovem, fui instruido
por marinheiros mais velhos, e aprendi a falar como falavam. Mas desde então
descobri que os Yahus do mar são aptos, como os de terra, a ficarem na moda em
suas palavras, que muda a cada ano; tanto que, como recordo a cada retorno à
minha própria terra seu velho dialeto estava tão alterado, que dificilmente podia
entender o novo. E observo, quando algum Yahu vem de Londres movido pela
curiosidade visitar-me em casa, nenhum de nós é capaz de expressar nossas
concepções de maneira intelegível ao outro.
Se a censura dos Yahus pudesse de alguma forma me afetar, teria grande