Page 215 - As Viagens de Gulliver
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O maior navio desses piratas era comandado por um capitão japonês, que
falava um pouco a língua holandesa; dirigiu-se-me e, após algumas perguntas, a
que humildemente respondi, assegurou-me que nos pouparia a vida. Fiz-lhe um
grande cumprimento e, virando-me, então, para o holandês, disse-lhe que estava
bastante admirado de ter encontrado mais humanidade num idólatra do que num
cristão. Em breve, porém, tive de me arrepender das palavras que proferira,
porque esse miserável réprobo, tendo tentado em vão persuadir os dois capitães a
que me lançassem ao mar (no que não quiseram consentir por causa da
promessa que um deles me havia feito), obteve que fosse ainda mais
rigorosamente tratado do que se me matassem. Haviam dividido a minha gente
pelos dois navios e pelo barco; quanto a mim, decidiram abandonar-me à sorte,
num batel com dois remos, uma vela e víveres para quatro dias. O capitão
japonês redobrou a dose e tirou das suas próprias provisões esse caridoso
aumento; não quis até que me expoliassem. Desci, pois, para esse barquinho,
enquanto o brutal holandês me dirigia do alto da coberta todas as injúrias e
imprecações que a sua linguagem podia lhe fornecer.
Quase uma hora antes de sermos vistos pelos dois piratas, tomara altura, e
vira que nos encontrávamos a quarenta e seis graus de latitude e a cento e oitenta
e três de longitude. Quando me vi um pouco afastado, descobri com um óculo
diferentes ilhas ao sudoeste. Então, icei a vela, pois o vento estava de feição, com
desejo de aproar à mais próxima dessas ilhas, o que me deu tarefa para três
horas. Esta ilha não era mais do que uma rocha, onde encontrei muitos ovos de
pássaros; então, usando do meu fuzil, lancei fogo a algumas raízes e a alguns
juncos marítimos para poder cozer os ovos, que foram nessa noite todo o meu
sustento, estando resolvido a poupar as minhas provisões tanto quanto me fosse
possível. Passei a noite nessa rocha, deitado no chão sobre as urzes que me
serviram de cama, e dormi muito bem.
No dia seguinte, fiz-me de rumo para outra ilha e depois para uma
terceira e para uma quarta, servindo-me às vezes dos remos; mas, para não
maçar o leitor, direi apenas que ao cabo de cinco dias atingi a última ilha que
vira, e que ficava ao sudoeste da primeira.