Page 61 - As Viagens de Gulliver
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freqüentemente a palavra burgum. Alguns cortesãos, abrindo passagem por entre
a multidão, imploraram-me que, sem detença, me dirigisse ao palácio, e que
lavrava incêndio nos aposentos da imperatriz, por descuido de uma das suas aias
que adormecera lendo um poema blefuscudiano. Levantei-me imediatamente e
dirigi-me ao palácio com certo custo, para que não pisasse ninguém na minha
passagem, o que consegui. Quando cheguei, vi que já se tinham aplicado as
escadas às paredes dos quartos e estavam bem fornecidos de baldes; a água,
porém, ficava muito longe. Esses baldes deviam ter talvez o tamanho de dedais, e
o pobre povo acarretava-os com a máxima solicitude. O incêndio lavrava já com
bastante intensidade e aquele magnífico palácio seria infalivelmente reduzido a
cinzas, se, por uma extraordinária presença de espírito, me não ocorresse de
repente uma idéia. Na noite precedente, tinha bebido em grande quantidade um
certo vinho branco chamado glimigrim, importado de uma província de Blefuscu
e que tem grandes propriedades diuréticas. Desatei então a urinar em tal
abundância e dirigi o jato com tanto acerto e tão apropositadamente que, dentro
de três minutos, o fogo estava completamente apagado e o resto daquele soberbo
edifício, que custara somas imensas, ficou preservado de tal incêndio.
Não sabia se o imperador veria com bons olhos o serviço que acabava de
prestar-lhe, porque, consoante às leis fundamentais da nação, era um crime
capital e digno da pena de morte verter águas nas proximidades do palácio
imperial; fiquei, porém, tranqüilo, quando soube que Sua Majestade dera ordem
ao grão-juiz para me enviar cartas de agradecimento; disseram-me, depois, que
a imperatriz, experimentando um grande terror pelo ato que praticara, fora