Page 41 - Demolidor - O homem sem medo - Crilley, Paul_Neat
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Ele se inclina para a frente, pendendo para o nada. Passa pela sua cabeça

                que, se tem alguém lá embaixo vendo, pensaria que Matt está prestes a se
                suicidar.
                  Sorri diante desse pensamento. Não. Ele ainda está redescobrindo como

                viver.
                  O vento sobe rasteiro por seu rosto. Ele o segue até a rua, dando voltas nos

                carros parados ao longo da calçada. Ele “vê” as formas que o vento constrói
                enquanto chicoteia ao redor dos para-lamas e retrovisores, sobre os tetos e

                em  volta  dos  pneus.  Ele  sabe  que  é  capaz  de  andar  em  volta  dos  carros,
                pairar suas mãos a poucos centímetros do metal, sem tocá-los uma só vez.

                  Apesar  de  estar  conseguindo  se  ajustar  a  uma  vida  sem  visão,  não
                significa que está feliz. Longe disso. Ele ainda acorda todo dia com uma
                profunda sensação de desespero no estômago, e o ginásio é a única coisa

                que expulsa esses sentimentos. Embora sempre demore horas. Ele não quer
                sentir  a  piedade  vinda  das  outras  pessoas.  Não  quer  sentir  os  olhares,  a

                velha balançada de cabeça. Ele entra escondido pela janela dos fundos de
                sempre. E não acende as luzes. Por que se incomodar?

                  Todas  as  noites,  tenta  treinar  seus  novos  sentidos,  tenta  usar  o  que
                aprendeu  e  colocar  em  prática  nas  vigas  de  equilíbrio  e  nos  sacos  de

                pancadas.
                  Porém,  não  é  a  mesma  coisa.  Lá  dentro,  sem  o  vento  –  sem  algo  para
                colidir com os objetos – ele encontra mais dificuldade para medir distância,

                para saber de que direção vem o saco de pancadas, e, por isso, acaba com
                mais cortes e feridas do que nunca.

                  Mas ele volta. Noite após noite. Semana após semana. Socando. Tentando
                forçar seu corpo a ver novamente. Tentando, de alguma forma, fazer algo

                que ele costumava fazer. Tentando ignorar a deficiência.
                  E, todas as vezes que volta, acaba de cara no chão.

                  Nesta noite, quando Matt cai, ele se vira de costas e não se mexe. Está
                cansado disso. Cansado de tudo. Por que isso tinha de ter acontecido com
                ele? Por que não com qualquer outra pessoa que estava naquela rua? Por

                que nem mesmo com o velho? Por que tinha de ser com ele? Ele poderia ter
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