Page 36 - Demolidor - O homem sem medo - Crilley, Paul_Neat
P. 36
gratidão. Um momento, um breve momento em que pode pensar, em que se
lembra de quem ele é.
Isso significa… isso significa que as vozes, os cheiros, tudo… pode ser
controlado. Mesmo que seja apenas por um segundo, o que é importante.
Isso significa que ele pode afastar tudo isso.
Ele se sente mais forte. Mais calmo. Ele vai controlar seus sentidos.
Diminuir a intensidade deles. Eles não são forças externas capazes de
destruí-lo. Eles são o que ele é agora.
São tudo o que restou dele.
• • • •
Não é fácil. Na verdade, é a coisa mais difícil que Matt já fez, e isso quase
o deixa louco.
Primeiro, ele tinha de separar os sons: as vozes, os ruídos, os gritos, o
tráfego, os passos dos ratos, o arrastar dos sapatos, o estalar dos talheres em
milhares de casas. A cidade.
Ele tem de separar cada um e lentamente empurrá-los para o plano de
fundo. Então, tem de erguer um muro, um limite para sua mente em que os
pensamentos cotidianos possam operar sem o violento ataque interminável.
Ele tem de aprender a colocar todas as sensações atrás desse muro.
Empurrá-las para cada vez mais longe. Construir um muro cada vez mais
alto, até que tenha um espaço livre em sua mente. Um quarto abandonado
onde ele possa operar.
Este é o primeiro passo. Recobrar o silêncio.
O próximo passo é fazer seus sentidos trabalharem para ele. Convidá-los a
voltar para o quarto. Aprender a funcionar a partir desse espaço, atrair para
ele o que ouve, e os gostos e cheiros que sente. Ele tenta trazer isso até si de
maneira controlada, para se concentrar exatamente naquilo que quer.
Esta é a parte mais difícil. Todas as vezes que seus sentidos se manifestam
além do muro, tudo vem rapidamente até ele em uma onda de sensações,
derrubando o muro e forçando-o a começar tudo de novo.
Isto leva semanas. Semanas deitado naquela cama de hospital, seus olhos
cheios de crostas, chorando lágrimas de pus e sangue.