Page 40 - Demolidor - O homem sem medo - Crilley, Paul_Neat
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Seis meses depois.
Matt costumava se sentar ali no teto o tempo todo, observando o mundo
passar na rua lá embaixo. Vendo as vidas das famílias no prédio do lado
oposto. Ele gostava da sensação de pertencimento. De ver seus vizinhos,
mesmo que eles não pudessem vê-lo. De fazer parte de uma vizinhança que
o conhecia. Que conhecia seu pai.
Agora…
Agora é diferente.
Agora ele não era mais parte de nada. Ninguém o cumprimentava
amigavelmente. Era sempre com pena, culpa. Tristeza.
Aquele pobre garoto. A vida dele acabou. Teria sido melhor se tivesse
morrido.
Mas Matt não se sente desse jeito. Tudo que ele sentia era… confusão. Ele
sempre pensou que estar cego era estar ausente de tudo. Era a escuridão,
para todo o sempre.
Mas não é assim com Matt. Ele pode sentir profundidade e forma e, de
algum modo, pode sentir o que está ao seu redor. Neste momento, por
exemplo. O vento do inverno sacode e se enrola em volta do tronco de uma
árvore na rua de baixo, ganhando contornos em sua mente. Ele pode…
sentir… ver… a curvatura do tronco, a extensão dos galhos nus por conta
do inverno.
Não é exatamente “ver”. Essa é a palavra errada. Talvez sua memória
simplesmente esteja preenchendo o que ele acha que poderia estar vendo?
É assim que funciona? O vento dá a ele as medidas. E sua imaginação dá a
imagem.
Ele se levanta, o vento o atingindo. Arrasta os pés à frente até que a ponta
de seu tênis esbarra na beirada do telhado. Ele ergue o rosto para o vento,
inala a friagem, o cheiro de uma tempestade que se aproximava, sobreposto
pelo aroma da comida sendo feita – carne, batatas fritas, pizza, cachorros-
quentes.