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RESULTADOS DA COP 26
De acordo com o breve panorama das COP realizadas nas duas últimas décadas, é possível perceber
que as negociações giram em torno de uma complexa teia de intenções, interesses e resistências. De um
lado os países ricos adiando ações que ajudariam a resolver os problemas centrais das discussões; de
outro, os países de economia mais vulnerável buscando apoio financeiro para cumprir o que lhe cabe
no acordo. Sem muito avanço nas propostas de solução dos problemas socioambientais, o tempo segue
seu ritmo evidenciando um cenário em que os poucos países ricos ficam cada vez mais ricos e os muitos
países pobres, cada vez mais pobres.
E se ainda olharmos com um pouco mais de atenção para os resultados dessas convenções, surge
uma questão maior: como resolver o problema central das discussões? A resposta pode vir de opiniões
diversas, mas o fato é que o desafio principal (que é estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa
na atmosfera do planeta) parece esquecido ou talvez esteja sendo mantido apenas como motivação para
que os encontros internacionais continuem acontecendo e cumprindo a missão de dar visibilidade à
suposta “preocupação” política que as lideranças mundiais querem transparecer para os seus eleitores
e para o mundo dos negócios.
Após três versões e em meio a turbulências para consenso sobre a realização do evento, podemos di-
zer que a COP 26 resultou em alguns avanços importantes para o enfrentamento da crise climática, mas
ainda insuficientes e abaixo das expectativas da sociedade, de especialistas e dos próprios organizadores
do evento. Sobre a ambição de zerar emissão de carbono até 2050 e para controlar o aumento médio
de temperatura global em até 1,5ºC, situação prevista para acontecer já em 2030 (dez anos antes do es-
perado), o relatório final criou uma espécie de mercado de carbono global, no qual é permitido que os
países comercializem créditos de carbono entre si. Em outras palavras, as emissões de carbono foram
transformadas em negócio, que funciona mais ou menos assim: os países e suas empresas têm metas
ambientais para emitir menos carbono e aqueles que vão além das metas geram créditos no mercado e
adquirem o direito de vender o excedente.
Em meio a todas essas negociações, os países emergentes fizeram pressão para que uma fatia desse
mercado fosse destinada para financiar suas adaptações aos impactos do clima. No entanto, o pedido foi
voto vencido e não entrou no acordo, após resistências vindas dos Estados Unidos e da União Europeia.
As reivindicações de proteção de comunidades e habitats naturais foi reforçada durante a Conferên-
cia com a presença de ativistas dos movimentos indígena e negro e de manifestações juvenis. Essa par-
ticipação, que cobra ações dos líderes mundiais e busca representatividade nas mesas de negociações, é
apontado por Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, como algo extremamente
importante para que após a realização das COP aconteçam atitudes concretas em cada uma das nações
participantes (ver mais em Portal O Tempo, 13/11/2021).
Quanto aos mecanismos de financiamento aos países-membros, cujo objetivo é de arrecadar,
no mínimo, $100bi em recursos para o clima a cada ano, o encontro resultou no compromisso dos
países desenvolvidos repassarem essa quantia até o ano de 2025, por meio de ações de combate ao
aquecimento global.
Por fim, em relação às propostas de intensificar o mercado de carros elétricos e eliminar o uso
de combustíveis fósseis (energia a carvão e uso de gasolina e diesel), lideranças mundiais como
Arábia Saudita, Austrália, Rússia, Irã, China e Índia (produtores de petróleo e/ou grandes consu-
midores de carvão) reagiram fortemente para mudar o texto do acordo. Inicialmente, o relatório
trazia o termo “eliminar” o uso desses poluentes, mas depois de muita pressão, o texto foi alterado
substituindo o termo por “reduzir”. Contudo, o documento final prevê a redução gradativa do uso
de combustíveis fósseis, o que foi visto por alguns especialistas como avanço importante, tendo em
vista que isso nunca foi cogitado nas COP anteriores.
Propostas, promessas e procrastinação continuam fazendo parte das negociações que envolvem
o meio ambiente. Os prazos vão se estendendo cada vez mais, da mesma forma que é feito quando
não se quer pagar uma dívida. De 2015 saltou-se para 2030, de 2030 para 2050 e outras prorrogações
alcançaram os anos de 2070 e 2100.
O cenário lembra a metáfora popular da bola de neve, que cresce cada vez que os prazos sofrem
adiamentos. Nesse caso, a bola vai se apresentando sob efeitos contrários, tornando-se uma bola de fogo,
cuja consequência poderá ser fatal, quando já não teremos mais alternativas e nem tempo para contê-la.
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