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DOSSIÊ


            3.1. Muitos nomes para uma mesma relação


                    Nos últimos anos, o tema dos aplicativos, plataformas, gig economy, dentre ou-
            tras denominações, tem sido muito enfatizado como a grande “novidade” dos merca-
            dos de trabalho em todo o mundo. Contudo, muito antes da existência das “platafor-
            mas” e dos “aplicativos”, já se declarava a expansão de “novas” formas de trabalho.
            Portanto, as novas tecnologias digitais não são uma condição necessária para a ado-
            ção de modalidades contratuais que negam a condição de assalariamento.
                    Por exemplo, no Brasil, empresas de todos os setores contratam indivíduos
            por meio de arranjos comerciais como se eles fossem uma empresa de apenas uma
            pessoa (os conhecidos “PJs”). Salões de beleza, por sua vez, alegam que apenas “alu-
            gam” assentos para os(as) cabeleireiros(as) trabalharem para eles. As chamadas con-
            sultoras de empresas de cosméticos — na verdade, vendedoras —, classificadas como
            autônomas, passam de 1 milhão no país (ABÍLIO, 2014).
                    Vejamos, resumidamente, alguns casos de gestão do trabalho que negam o
            assalariamento e antecedem (mas se mantêm) à chamada “plataformização”.


            3.1.1 As “cooperativas” de trabalho


                    No Brasil, nas décadas de 1990 e 2000, houve uma proliferação das chamadas
            cooperativas de trabalho. Supostamente, eram entidades com associados que presta-
            vam serviços de qualquer natureza, sem subordinação, a empresas contratantes.
                    Houve muitas investigações sobre esse fenômeno em todo o país e em diversos
            setores. Um caso que ilustra bem esses arranjos ocorreu numa empresa petroquímica
            na Bahia (FILGUEIRAS, 2012). A empresa fazia a seleção dos supostos cooperados
            que laboravam em sua planta, contradizendo o caráter associativo da suposta coope-
            rativa. Esta apresentava os currículos de trabalhadores, e a petroquímica selecionava
            os que iriam laborar. Constava no próprio contrato entre empresa e cooperativa uma
            cláusula que concedia à petroquímica a prerrogativa para selecionar quem poderia
            ou não trabalhar em sua planta, evidenciando que o objeto da relação era o trabalho
            de pessoas específicas. Ademais, parte dos trabalhadores já estava na petroquímica,
        Revista Princípios      nº 159     JUL.–OUT./2020  uma empresa interposta.
            executando os mesmos serviços que continuaram a realizar depois de “cooperados”.
            Eles trabalhavam na planta havia anos, como empregados contratados por meio de


                    A petroquímica, mediante contrato firmado com a “cooperativa”, determinava
            controles, inclusive de frequência e horário sobre o trabalho dos supostos cooperados.
            Segundo o contrato, a petroquímica avaliava, “entre outros critérios, a apresentação, a
            pontualidade, o comportamento, a cortesia e a cordialidade” dos trabalhadores contra-
            tados por intermédio da cooperativa (FILGUEIRAS, 2012).
                    O  uso  dessas  “cooperativas”  não  se  restringiu  ao  Brasil.  Na  Espanha,  por




      20    exemplo, elas se destacam entre as entidades contratadas no setor dos frigoríficos,
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