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Cartas internacionais


               Movimentos sociais e perspectivas políticas
                      A ofensiva neoliberal se tornou possível em parte por causa da desintegração
               da esquerda e do enfraquecimento das lutas sociais. A cada período, houve maior ou
               menor conjunção entre os movimentos populares e as estruturas políticas. Hoje coe-
               xistem a perda de confiança e a desaprovação em relação à política, o medo do futuro,
               o temor de se engajar e um sentimento de impotência.
                      No entanto, podemos considerar que o apelo à figura mobilizadora do “povo”
               manifesta não um vazio político, mas um desejo de política, apesar da dificuldade da-
               queles que se engajam em se reconhecer nas organizações políticas clássicas. O proble-
               ma é transformar a raiva social em esperança política. Isso se torna possível quando o
               povo entra em luta por suas condições, seus direitos, quando se une conscientemente
               contra o sistema que produz a separação entre exploradores e explorados.
                      Essas lutas podem conduzir também à escolha de bodes expiatórios (desem-
               pregados, estrangeiros) e estimular o egoísmo e a indiferença ao sofrimento dos ou-
               tros. Na França, como em outros lugares, o ressentimento contra o sistema e a “oligar-
               quia” alimenta o populismo e o nacionalismo. A extrema-direita fez disso seu credo.
               O Reagrupamento Nacional não incita a cólera nacional, mas cultiva a raiva e o amar-
               gor. Isso constitui um grande perigo.
                      Consideremos também que essas lutas constituem uma oportunidade para
               o conjunto das forças progressistas. A derrota do sovietismo, a crise e as capitulações
               sucessivas da social-democracia distanciaram o povo da esquerda. A experiência so-
               cial que sustentava o movimento popular turvou-se com o tempo. Seria ilusório pre-
               tender voltar a um estado anterior, mas confiar nas tradições populares de luta pode
               restaurar essa esperança social e reduzir o medo e as divisões.
                      O desenvolvimento das lutas sociais e a contestação ao neoliberalismo cons-
               tituem momentos de fragilidade propícios às contraofensivas que desenvolvam pro-
               jetos sociais, ecológicos e democráticos. O movimento popular só se transformará
               em ator político se reunir todos os seus componentes, sem deixar nenhuma de suas
               forças pelo caminho. Isso também pressupõe que se instale uma consciência da cau-
               sa de todos esses males, ou seja, o capitalismo, mas também uma esperança de dar
               dignidade a um projeto fundado na igualdade, cidadania e solidariedade. Pensar na
                                                                                                 Revista Princípios      nº 159     JUL.–OUT./2020
               lógica do “comum” é fundamental para substituir as leis do mercado ou do Estado ad-
               ministrativo e para promover a apropriação social e democrática dos grandes meios
               de produção e troca.
                      Todas essas novas soluções se constroem em uma globalização que deve ser
               arrancada do ultraliberalismo, o que exige novas solidariedades internacionalistas
               para construir a segurança humana.

                     * Responsável-adjunto do setor internacional do Partido Comunista Francês
                     (PCF), responsável pelo Magreb e Oriente Médio.




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