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ESPECIAL BICENTENÁRIO
C ompreendo os “setores mé- Ideologicamente, os setores médios não
dios” como as diversas fra-
pensam igual à burguesia pelo simples
ções de classe e categorias
compostas por pequeno-
-burgueses, profissionais liberais e as- motivo: enquanto a classe dominante
sabe muito bem de que forma se dá a
salariados médios - trabalhadores não
manuais cuja profissão carrega um sta- exploração, e justamente por isso garante
tus superior ao dos operários. A ação a dominação, uma grande parcela dos
política destes setores é um fenômeno setores médios acredita ingenuamente nos
circunstancial, que resulta justamente
da diversidade e das contradições pre- ideias meritocratas difundidos, enquanto
sentes nesta classe. Em determinados sonha em virar burguês
momentos da história, pendem para o
lado de cá, e em outros momentos, para ritocratas difundidos, enquanto sonha ticomunismo, seja na luta pelo socia-
o lado de lá. Apesar da ambiguidade, em virar burguês. Mas isto não é re- lismo.
um fato é inegável: historicamente os gra: uma parcela mais intelectualiza- Apesar de hoje, na recente conjun-
setores médios tiveram importância na da e solidária dos setores médios sabe tura, os setores médios, em sua maio-
luta política, independente de onde es- com o que coexiste, e justamente por ria, estarem distantes da nossa luta, a
tejam. isso estes setores também estiveram batalha não está concluida. É nosso de-
Há quem diga que a classe média presentes no polo oposto. Seja no mo- ver fazer com que esses sujeitos com-
é “essencialmente fascista”. De Lorde vimento estudantil, no tenentismo,a preendam o que está em jogo e quem é
Melbourne a Marilena Chauí, diver- fundação do Partido Comunista, ou o verdadeiro inimigo: a burguesia. Ter
sas foram as figuras que se debruçaram em outros episódios da luta política, os setores médios democráticos e po-
em análises culturais sobre as camadas o fato é que as camadas médias tam- pulares ao nosso lado é fundamental
médias, que de fato, carregam certa bém estiveram, ao longo da história, para o acúmulo de forças que vislum-
moralidade e valores de si próprios. na construção da esquerda. bramos para a ruptura com o sistema
Os setores médios, muitas vezes, são Nossa tarefa central, neste mo- capitalista e a construção do socialis-
responsáveis pela ação política subser- mento da história, após termos sofrido mo, protagonizados pela classe traba-
viente à burguesia. No entanto, seria derrotas estratégicas, é compreender lhadora.
um equívoco afirmar que ideologica- o novo papel dos setores médios na
mente as camadas médias convergem luta política da esquerda. Mas esta ta- Uma visita ao passado
com a classe dominante. Objetivamen- refa se torna ainda mais complexa: de
te, na estrutura de classes, estes setores 100 anos pra cá, não mudaram apenas Cem anos atrás, o Brasil passava
se situam apenas um degrau acima do a correlação de forças e as nossas rei- por um importante período histórico,
proletariado, enquanto a burguesia se vindicações. Mudou também a própria marcado por rupturas políticas que
encontra no topo da escada. Ideologi- configuração dos setores médios, que mais tarde resultariam em organiza-
camente, não pensam igual a burgue- hoje são mais amplos, espalhados em ção e reivindicações. A década de 20
sia pelo simples motivo: enquanto a mais regiões e reprodutores de uma do século XX pode ser descrita como
classe dominante sabe muito bem de subjetividade neoliberal. Além disso, um trajeto temporal demarcado por
que forma se dá a exploração, e justa- as camadas médias de hoje são resul- episódios importantes: a fundação do
mente por isso garante a dominação, tado das contradições dos processos Partido Comunista, a Semana de Arte
uma grande parcela dos setores médios políticos nos quais estiveram presentes Moderna, as revoltas tenentistas e uma
acredita ingenuamente nos ideais me- nessa linha do tempo - seja para o an- maior integração e participação dos se-
ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 117