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NACIONAL
Foto: Ministério da Saúde
que foram “retirados de todos os ban-
cos de dados a variável ‘CEP’, inclusi-
ve das planilhas anteriores, ocultando
não somente o presente, mas apagan-
do a história” (idem). Isso pode sugerir
mais um mecanismo do Estado brasi-
leiro em esconder tanto o número de
mortos e contaminados, mas também
a promoção de uma leitura nebulosa
do real quadro de contaminação por
localidade. A importância do moni-
toramento via CEP está centrada na
possibilidade de identificação de “pos-
síveis fatores sociais, territoriais ou de
ineficiência de políticas públicas para a Ministério da Saúde vem
omitindo informações sobre
maior letalidade em um território es- a real situação da pandemia
pecífico e a partir desta identificação a
construção das políticas emergenciais Agenda celebrada pela famosa respos- por distrito. Além disso, através desse
adequadas a cada lugar” (Rolnik et al. ta de Bolsonaro aos jornalistas sobre tipo de coleta de dados, que engloba
2020), como, por exemplo, a disponibi- o recorde de mortes de brasileiros por dentro de um mesmo distrito zonas de
lidade de leitos hospitalares. Covid-19: “E daí? Lamento. Quer que favelas, moradias, ocupações populares
De forma a dificultar e invisibi- faça o quê? Eu sou Messias, mas não e bairros abastados onde vivem a clas-
lizar ainda mais o mapa de contami- faço milagre” (O Globo, 30/04/2020). se média, tem-se criminalizado e res-
nação da Covid-19, na mesma modifi- Mais do que naturalizar a morte, Bol- ponsabilizado a população mais pobre
cação da DATASUS de junho, a nova sonaro busca ainda eximir o governo pela contaminação e disseminação da
contagem, sobretudo do número de das culpas e responsabilidades no com- Covid-19. Isso tudo alimenta não ape-
óbitos, passa a ser feita a partir da data bate ao coronavírus e promove em lar- nas discursos, mas políticas de guerra
da morte e não mais a partir da data da ga escala o que tem sido chamado de contra determinadas populações con-
notificação do contágio. Dessa forma, necropolítica (Mbembe, 2016). Apesar sideradas problemáticas, há tempos,
se antes os mapas de contaminados já dos diversos usos do conceito por dis- em relação ao desenvolvimento e he-
eram imprecisos e questionáveis, com tintos estudiosos, o que está no núcleo gemonia do capital, tanto nas zonas
essas alterações busca-se esconder e do debate é que há poderes políticos urbanas quanto na disputa pela terra,
minimizar a gravidade da crise sanitá- e sociais ditando a escolha de quem como as áreas de ocupações populares
ria e de saúde no Brasil, o que limita deve morrer e quem deve viver e suas nas cidades, consideradas um entrave
a compreensão da territorialidade da maneiras de vida. Dessa forma, impor- para a especulação imobiliária e como
pandemia e da elaboração de políticas tante aqui é compreender não apenas áreas de demarcação de terras indíge-
públicas eficazes no combate ao vírus. as escolhas, mas os mecanismos utiliza- nas, vistas como um obstáculo aos in-
Nesse sentido, o que está por trás dos pelo Estado para fazer dessas esco- teresses do agronegócio.
dos mapas e dos números é uma vas- lhas, as únicas possíveis. O argumento de que a Covid-19
ta agenda de morte e devastação social A dimensão territorial da conta- tem as áreas pobres como ponto de
promovida, principalmente, pelo go- minação, do modo como é feita, igno- alastramento do vírus e a falta da va-
verno federal, mas que ganhou adesão ra as diferenças e desigualdades territo- riável CEP na identificação dos terri-
de diversos prefeitos e governadores. riais das cidades e a análise dos dados tórios comprometidos pelo vírus, tra-
20 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020