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MEMÓRIA
quatro séculos de um processo de escra- Já o racismo institucional é a forma a relação entre o negro(a) e o branco(a),
vidão, sendo que homens e mulheres nítida, nas instituições, de tratamento apresentando a faceta de como o outro
negras foram capturados e vendidos diferenciado baseado nas desigualda- é visto. Além de evidenciar que ao lon-
como mercadoria para o território bra- des raciais no interior das organizações, go do período histórico houve uma
sileiro e neste contexto formaram mão grupos sociais, no mundo do trabalho construção de humanidade diretamen-
de obra da economia brasileira colonial. e nas instituições como um todo. Em te ligada aos brancos e uma linha da
Desde o processo econômico da cana de síntese, seria a demonstração das desi- não-humanidade para os demais.
açúcar, no litoral brasileiro, o ciclo do gualdades estruturais raciais no interior Em pesquisas como as de Edith
café no que hoje seria o Sudeste, o ciclo das instituições. Como exemplo, pode- Piza no Brasil, com Branco no Brasil?
do ouro nas Minas Gerais e o ciclo do mos utilizar o espaço do mundo do tra- Ninguém sabe, ninguém viu e Porta
charque na região sul, mais especifica- balho e a reprodução das desigualdades de Vidro: entrada para branquitude, o
mente no estado do Rio Grande do Sul. no quadro dos colaboradores. Se não conceito de branquitude apresenta-se
Uma das sínteses do nosso racismo houver uma equipe atenta para a pro- no cenário brasileiro. Neste processo de
estrutural é o fato de sermos o último moção da diversidade na organização, é pesquisas, Lourenço Cardoso, em seu
país das Américas a abolir a escravidão muito provável que as discriminações e trabalho, apresenta que aprimoramen-
com a Lei Áurea de 1888, e mesmo nes- preconceitos sejam os parâmetros desde tos conceituais como as manifestações
te contexto, não realizamos um proces- a contratação de pessoal até a promo- de privilégio com os conceitos “bran-
so de inclusão da grande parcela da po- ção e carreira dos mesmos. quitude crítica”, ou seja, aquela que
pulação, sem direitos garantidos, sem reconhece seus privilégios e busca con-
cidadania plena. Além do que, produ- A construção social do branco: tribuir na luta antirracista, e a “branqui-
ções legislativas anteriores à abolição branquitude tude acrítica” que seria um seguimento
foram construídas na perspectiva da consciente dos seus privilégios e busca
não inclusão da população negra na Neste tópico do texto, vamos co- sua manutenção. Para encerrar esse tó-
sociedade brasileira. Vide os casos da nhecer uma produção pouco explora- pico, vamos conhecer a produção de Lia
constituição de 1824 e o acesso ao es- da, mas de fundamental importância Vainer Schucman, professora doutora
tudo, que em tese, todos tinham direi- para conhecermos as dinâmicas raciais em psicologia da UFSC, autora da obra:
to a educação, porém excluía os povos no Brasil. A produção social do bran- Entre o ‘encardido’, o ‘branco’ e o ‘branquís-
escravizados. A “lei de terras”, que re- co, que conceitualmente chamamos de simo’: branquitude, hierarquia e poder
gulamentava possibilidade de compra branquitude, é um processo estudado na cidade de São Paulo. Nesta e outras
e propriedade, não estava destinada por inúmeros pensadores. Neste mó- pesquisas ela apresenta a ideia de raça
às pessoas escravizadas. A lei de terras dulo, vamos conhecê-los e vamos des- e seus signos/significados apropriados
abriu a possibilidade de uma política bravar o tema pouco pesquisado. Nosso pelos sujeitos brancos na cidade de São
pública importante na teoria racialista, conterrâneo, o pesquisador brasileiro Paulo, cidade da sua pesquisa de dou-
a imigração de povos europeus para o Lourenço Cardoso, apresenta marcos toramento, simbólicos e materiais em
Brasil na perspectiva de branqueamen- no pensamento sobre branquitude im- relação aos não brancos.
to da população. No que chamamos portantes para nossa reflexão. Ele nos Neste momento, vamos apresentar
de “teoria do branqueamento”, onde alerta que o pioneirismo é datado de a produção das quatro ondas de pes-
o Estado investiu na possibilidade de 1935, com o pesquisador W.B. Du Bois, quisadores(as) sobre as questões raciais,
uniões entre as raças na ideia de que seguido de Franz Fanon em 1952 com sendo a Escola de São Paulo, na condu-
com as relações inter-raciais a cada ge- a publicação de sua obra Pele negra, ção do prof. Dr. Florestan Fernandes,
ração a população seria mais branca, máscaras brancas. A obra de Fanon é um marco importante de inflexão e
mais próxima da humanidade com di- um marco nas teorias contemporâneas maior nitidez das questões nacionais a
ria Franz Fanon. sobre raça e propõe uma reflexão sobre serem enfrentadas pelas demais escolas/
44 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020