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MEMÓRIA




          na expulsão sumária dos posseiros que   torturar presos políticos na época para   casa por vários dias e interrogado por
          lá viviam há décadas, com o recurso à   que revelassem tal “plano subversivo”.  oficiais militares, que desejavam com-
          pistolagem e ao assassinato dos traba-                                         provar a colaboração da Igreja de São
          lhadores e na obtenção fraudulenta de      “No tener nada.                     Felix do Araguaia com os guerrilheiros
          títulos de terra e de recursos públicos.   No llevar nada.                     do Partido Comunista do Brasil.
             Neste contexto tem início o con-        No poder nada.                          Durante  a  conflagrada  década  de
          flito do padre Casaldáliga com o lati-     No pedir nada.                      70, Dom Pedro Casaldáliga ainda viu
          fúndio da Amazônia, na forma de tra-       Y, de pasada,                       um padre da Prelazia, o francês Fran-
          balho missionário, que vai se transfor-    no matar nada;                      çois Jentel, que atuava junto aos pos-
          mando também em denúncias junto            no callar nada.”                    seiros, ser preso e expulso do país, e tes-
          às instâncias da Igreja Católica e junto      pobreza evangéliCa,              temunhou o assassinato do padre João
          aos órgãos de imprensa nacional e in-         poema de dom pedro CaSaldáliga   Bosco Penido Burnier, que estava ao
          ternacional. Com o passar do tempo                                             seu lado quando um policial disparou
          e com a sua atuação contundente na         A atuação cada vez mais articulada   a arma, num momento em que ambos
          região, padre Casaldáliga passa a se tor-  dos bispos comprometidos com os se-  se dirigiam  à delegacia de  polícia do
          nar objeto de ódio dos fazendeiros e de   tores populares, do campo e da cidade,   município de Ribeirão Cascalheira, de-
          autoridades governamentais, mas isso   passa a ser fortalecida com a criação de   vido a denúncias de que ali havia mu-
          só torna suas atitudes cada vez mais   pastorais específicas, entre estas o Con-  lheres presas sendo torturadas.
          claras e posicionadas, sempre em favor   selho Indigenista Missionário (CIMI),
          da população explorada e identifican-  em 1972, e a Comissão Pastoral da          “Poesia e Igreja andam juntas?
          do publicamente os criminosos.         Terra (CPT), em 1975. O enfrentamen-       A Bíblia é sumamente poética. Isaías
             Em 1971, o padre Pedro Casaldáli-   to ao genocídio dos povos indígenas,       é um dos maiores poetas da história.
          ga é nomeado Bispo da Prelazia de São   promovido pela ditadura militar, e a      Deus é o grande poeta. Você sabe que
          Felix do Araguaia pelo Papa Paulo VI, o   luta contra a violência  que se abatia   poeta significa “fazedor, aquele que faz. E
                                                                                                                           “
          que significou um reconhecimento da    sobre os povos do campo crescem, com       na história da Igreja há grandes figuras
          importância de sua atuação e um apoio   o protagonismo de Dom Pedro Casal-        que foram poetas. Muitos santos. São
          maior da hierarquia da Igreja Católica   dáliga que, para tanto, se manifestava   João de la Cruz, por exemplo. Na Cata-
          ao seu trabalho junto às comunidades.   através do trabalho pastoral, através da   lunha, há padres e religiosos reconheci-
          Neste momento, lança a Carta Pastoral   denúncia nas mídias nacional e inter-     dos até pela (contribuição na) restaura-
          “Uma Igreja da Amazônia em conflito    nacional, como através da poesia.          ção do catalão. Poetas, escritores. E eu
          com o latifúndio e a marginalização so-                                           sou também mais ou menos poeta. “
          cial”, descrevendo a situação da terra na                                          EntrEvista inédita ao jornalista
          Amazônia, a violência que ali imperava     O fato da região do Araguaia, no        Camilo vannuChi, no dia dE natal dE 1998
          e os desafios para o trabalho pastoral.   sul do Pará, se tornar palco do mais
             Nos anos seguintes, bispos do       prolongado processo de conflito e re-       Os anos 80 encontram uma Amé-
          Centro-oeste lançaram o documento      pressão por parte das Forças Armadas,   rica Latina que buscava derrotar as dita-
          “Marginalização de um povo, o Grito    ocorrido durante a ditadura militar,    duras militares, que se espalharam pelo
          das Igrejas” e bispos do Nordeste tam-  episódio conhecido como Guerrilha      continente nas décadas anteriores, por
          bém lançam um documento com as         do Araguaia (1972-1974), levou a vio-   um lado, e, por outro, povos centro-a-
          mesmas características, chamado “Ouvi   lência policial-militar para a Prelazia,   mericanos que empreendiam processos
          os clamores do meu Povo”, o que fez a   atingindo todos os agentes de pastoral,   revolucionários, de caráter socialista e
          repressão na época suspeitar de “uma   presos e torturados, e o próprio bispo   antiimperialista, na Nicarágua, El Salva-
          ação subversiva planejada”, chegando a   Dom Pedro Casaldáliga, detido em sua   dor e Guatemala. A Igreja Católica esta-





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