Page 195 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA

                        mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos
                        nela.
                            Povoamos   sonhos,  somos  sombras  errando  através  de
                        florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes,
                        idéias, ideais e filosofias.


                            Nunca encontrar  Deus,  nunca  saber,  sequer,  se  Deus
                        existe!  Passar  de  mundo  para  mundo,  de  encarnação  para
                        encarnação,  sempre na ilusão que acarinha,  sempre no erro
                        que afaga.
                            A verdade nunca, a  paragem  [?]  nunca!  A união  com
                        Deus  nunca!  Nunca  inteiramente  em  paz  mas  sempre  um
                        pouco dela, sempre o desejo dela!






                            A vida prática sempre me pareceu o menos cômodo dos
                        suicídios.  Agir  foi  sempre  para  mim a  condenação  violenta
                        do sonho injustamente condenado. Ter influência no mundo
                        exterior,  alterar coisas,  transpor entes,  influir  em  gente  —
                        tudo isto pareceu-me sempre de  uma substância  mais  nebu-
                        losa que a dos meus devaneios. A futilidade imanente de to-
                        das  as  formas  da  ação  foi,  desde a minha  infância,  uma  das
                        medidas mais queridas do meu desapego até de mim.
                            Agir  é  reagir  contra  si  próprio.  Influenciar  é  sair  de
                        casa.
                            Sempre que meditei como era absurdo que,  onde a rea-
                        lidade substancial é uma série de sensações,  houvesse  coisas
                        tão  complicadamente  simples  como  comércios,  indústrias,
                        relações  sociais  e  familiares,  tão  desoladoramente  incom-
                        preensíveis  perante  a  atitude  interior  da  alma  para  com  a
                        idéia de verdade.
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