Page 242 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO
             fluíram,  absolutos,  sob  os  meus  olhos  contemplativos.  Se
             viajasse, encontraria a cópia débil do  que  já  vira  sem  viajar.


                 Nos países que os outros visitam, visitam-nos anônimos
             e peregrinos. Nos países que tenho visitado, tenho sido, não
             só o prazer escondido do viajante incógnito, mas a majestade
             do Rei que ali reina, e o povo cujo uso ali habita, e a história
             inteira daquela nação e das outras.  As mesmas paisagens, as
             mesmas  casas  eu  as  vi  porque  as  fui,  feitas  em  Deus  com  a
             substância da minha imaginação.





                 A renúncia é a libertação. Não querer é poder.


                 Que me pode dar a China que a minha alma me não te-
             nha já dado? E, se a minha alma mo não pode dar, como mo
             dará a China,  se é com minha  alma que  verei a China,  se a
             vir?  Poderei  ir  buscar  riqueza  ao Oriente,  mas  não  riqueza
             de alma, porque a riqueza de minha alma sou eu, e eu estou
             onde estou, sem Oriente ou com ele.


                 Compreendo   que  viaje  quem  é  incapaz  de  sentir.  Por
             isso são tão pobres sempre como livros de experiência os li-
             vros de viagens,  valendo somente  pela imaginação de quem
             os escreve. E se quem os escreve tem imaginação, tanto nos
             pode  encantar  com  a  descrição  minuciosa,  fotográfica  a  es-
             tandartes,  de  paisagens  que  imaginou,  como  com  a  descri-
             ção,  forçosamente  menos  minuciosa,  das  paisagens  que  su-
             pôs ver. Somos todos míopes, exceto para dentro. Só o sonho
             vê com (o) olhar.
                 No fundo,  há na nossa  experiência da terra  duas  coisas
             só — o universal e o particular. Descrever o universal é des-
             crever  o  que  é  comum  a  toda  a  alma  humana  e  a  toda  a
             experiência humana — o céu vasto, com o dia e a noite que
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