Page 252 - Fernando Pessoa
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Talar é  ter  demasiada  consideração  pelos  outros.  Pela
             boca morrem o peixe e Oscar Wilde.




                  Às vezes, sem que o espere ou deva esperá-lo, a sufoca-
             cação do vulgar me toma a garganta e tenho  a náusea  física
             da  voz e  do  gesto do chamado  semelhante.  A  náusea  física
             direta,  sentida diretamente no  estômago e na  cabeça,  mara-
             vilha  estúpida  da  sensibilidade  desperta...  Cada  indivíduo
             que me fala,  cada cara cujos olhos  me  fitam,  afeta-me  como
             um insulto ou como uma porcaria. Extravaso horror de tudo.
             Entonteço de me sentir senti-los.


                 E acontece, quase sempre, nestes momentos de  desola-
             ção estomacal, que há um homem, uma mulher, uma crian-
             ça até,  que  se ergue diante de  mim  como  um representante
             real  da  banalidade  que  me  agonia.  Não  representante  por
             uma emoção minha,   subjetiva e  pensada,  mas  por  uma  ver-
             dade objetiva,  realmente  conforme de  fora  com o  que  sinto
             de dentro que surge por magia analógica e me traz o exemplo
             para a regra que penso.




                 Uma   das  minhas  preocupações  constantes  é  o  com-
             preender como é  que outra gente existe,  como é que há  al-
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