Page 255 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA
                            Sim,  os  outros  não  existem...  É  para  mim  que  este
                        poente estagna, pesadamente alado, as suas cores  nevoentas
                        e duras. Para mim, sob o poente, treme, sem que eu veja que
                        corre, o grande rio.  Foi feito para  mim  este  largo aberto so-
                        bre o rio cuja maré chega.  Foi enterrado hoje na vala comum
                        o caixeiro da tabacaria? Não é para ele o poente hoje.  Mas,
                        de o pensar, e sem que eu queira, também deixou de ser para
                        mim...




                            Para compreender,  destruí-me.  Compreender  é  esque-
                        cer  de  amar.  Nada  conheço  mais  ao  mesmo  tempp  falso  e
                        significativo que aquele dito de Leonardo da Vinci, de que se
                        não  pode  amar  ou  odiar  uma  coisa  senão  depois  de  com-
                        preendê-la.
                            A  solidão  desola-me;  a companhia  oprime-me.  A  pre-
                        sença de outra  pessoa  descaminha-me  os  pensamentos;  so-
                        nho a  sua presença  com  uma distração especial,  que  toda  a
                        minha atenção analítica não consegue definir.





                            O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A
                        presença  de outra  pessoa  —  de  uma  só  pessoa  que  seja  —
                        atrasa-me imediatamente o pensamento,  e,  ao  passo que  no
                        homem normal o contato com outrem é um estímulo para a
                        expressão e para o dito,  em  mim  esse contato é um contra-
                        estímulo,  se é  que esta palavra composta é viável perante  a
                        linguagem.  Sou capaz, a sós comigo,  de idear quantos ditos
                        de espírito,  respostas rápidas ao que ninguém disse,  fulgura-
                        ções de uma sociedade inteligente com pessoa nenhuma; mas
                        tudo  isso  se  me  some  se  estou  perante  um  outrem  físico,
                        perco a inteligência,  deixo de poder dizer,  e,  no  fim de uns
                        quartos de hora, sinto apenas sono.  Sim, falar com gente dá-
                        me vontade de dormir. Só os meus amigos espectrais e ima-
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