Page 31 - Revista FRONTAL - Edição 50
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EM PERSPETIVA
O MÉDICO EM 2050
REFLEXÕES HUMANAS NUM CIBERFUTURO
AUTORES
ANDRÉ FELICIANO
PEDRO VILÃO SILVA
“Se a saúde é a nossa arte, a Humanidade é a nossa tela; não há médicos sem doentes.”
Somos estudantes de Medicina em 2020: isto é a nossa realidade, se o médico começa é uma descoberta constante do ser humano
lidamos no quotidiano com livros, apontamen- a ser visto mais como “especialista” e menos em si-mesmo. Outrora, a doença poderia ser
tos, diapositivos, histórias clínicas, tutores, como “curandeiro”, o que é que o futuro nos vista como um castigo divino. Hoje, sabemos
assistentes. Somos gente de palavras e gen- poderá reservar? que obedece a um conjunto de princípios fisio-
te de pessoas. Se a saúde é a nossa arte, a Libertemos a nossa curiosidade e façamos patológicos ancorados nos nossos sistemas
Humanidade é a nossa tela; não há médicos algumas previsões. de conhecimento. Amanhã, conseguiremos
sem doentes. Até certo ponto, a nossa tarefa Como será o hospital de 2050? Prova- finalmente espreitar por trás de palavras mis-
é ingrata e paradoxal, porque fazemos de tudo velmente, com uma população mais idosa, teriosas como idiopático, primário, idiossincrá-
para que, um dia, quando formos médicos, as será maior, mais lotado, com mais médicos tico, estocástico ou incurável? E os doentes?
pessoas não nos voltem a visitar. e enfermeiros, técnicos e auxiliares. Não sen- Conseguiremos fazê-los encarar certos diag-
Sabemos que o mundo à nossa volta do necessariamente pessimistas, podemos nósticos com outra mentalidade, dispondo de
se altera a um ritmo vertiginoso, cortesia imaginar um atendimento mais simplificado novas ferramentas terapêuticas e adjuvantes?
de uma pós-modernidade com a qual não e mais pessoal, com menores tempos de Conseguiremos finalmente colocar um travão
estamos equipados para lidar. Aparências espera agonizantes em salas sobrelotadas, a comportamentos quotidianos com efeito
e realidade confundem-se, certezas outrora barulhentas e impessoais. A estadia no hos- deletério na saúde pessoal e pública? O que
inquestionáveis são postas em causa, toda pital poderá ser menos despersonalizante, esperamos ouvir deles? O que é que eles es-
a ciência que hoje nos é ensinada poderá e talvez, num futuro mais distante, coisa do peram ouvir de nós?
amanhã ser datada. Assim foi com os nos- passado, com novas terapias em ambulatório Este artigo é um produto do presente em
sos antecessores, assim será connosco. A ou soluções de saúde comunitária. que é escrito, destino inescapável das suas in-
flexibilidade no pensamento é fulcral, todo o As urgências caminharão rumo a um novo terpretações futuras, marcado inabalavelmen-
futuro que amanhã virá hoje não passa de paradigma? Como revolucionaremos a tria- te por uma crise de saúde pública, na forma
especulação, fantasia infantil. gem após Manchester? Será que poderemos da pandemia de SARS-CoV-2. Com efeito,
Apesar disso, continuamos hoje a pensar alcançar uma eliminação completa dos tem- também as circunstâncias levaram a refletir
no que poderá vir amanhã. Publicam-se artigos pos de espera? sobre o trajeto da Medicina desde a destrutiva
em revistas médicas sobre o impacto emer- Abrem-se inúmeras possibilidades para pandemia de influenza de 1918 até aos dias
gente da inteligência artificial, sobre a evolu- a consulta médica: estaremos em progres- de hoje. O que podemos esperar no futuro?
ção populacional, sobre que desafios poderão so rumo a uma telemedicina permanente Como iremos combater a pulsão de morte so-
surgir para os novos médicos, muitas vezes em que o nosso contacto com o paciente cioeconómica associada a estas catástrofes à
ignorando a componente de responsabilidade poderá ser feito do conforto do seu lar, ou, escala global?
social, a vertente humanista do médico. pelo contrário, o futuro científico-tecnológi- Acima de tudo, pretendemos colocar o
O médico não vive já isolado, no alto de co reservar-nos-á uma nova maneira de ajus- papel do médico hoje em perspetiva. Não den-
uma torre de marfim, detentor de conheci- tar as consultas ao paciente, com perfis de tro do nosso meio, falando com colegas, com
mentos restritos a quem lhes dedica a sua personalidade e histórias pessoais e clínicas médicos formados, com enfermeiros, com
vida. O tempo de Abulcasis e de Avicena já à distância de um toque? nutricionistas, e todas as pessoas que parti-
passou. Na Era Digital, a democratização da O próprio conceito de doença poderá lham este espaço, mas sim com as pessoas
informação trouxe consigo novos desafios à sofrer modificações radicais. A incerteza epis- fora da comunidade prestadora de cuidados
Medicina, da capacidade de transmitir conhe- temológica do presente coloca a Verdade de saúde: com os nossos familiares e amigos,
cimentos mais complexos aos pacientes à científica em causa; o debate é permanente. fartos de nos ouvir falar sobre medicamentos
valorização da comunicação interpessoal. Se A descoberta científica no campo da Medicina e sobre procedimentos clínicos, com os estra-
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