Page 32 - Revista FRONTAL - Edição 50
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EM PERSPETIVA
nhos na rua - não nestas circunstâncias - , com no consultório e percebendo a maneira como prestígio, esse poder de articulação dos sa-
os trabalhadores e com os reformados, com somos vistos aos olhos de quem não sabe beres e da cultura humana no desempenho do
as crianças, plenas de imaginação, e com os como o nosso mundo gira. Melhor que um nosso ofício.
idosos, plenos de experiência. Pretendemos olhar ao espelho, é um instantâneo do futuro Esse prestígio não vem, contudo, sem
saber o que nos torna médicos, e dentro que queremos capturar. responsabilidade. É essa milenar tradição que
disso, o que nos torna humanos e médi- A Medicina é uma ciência especial. Usufrui vem codificada no Juramento de Hipócrates e
cos. Isso, pois, será algo que nunca poderá da capacidade de obter respostas concretas e que é ainda hoje alvo de debates acirrados,
abandonar a nossa consciência. definitivas aos problemas que lhe são apresen- não só no interior da comunidade médica,
Este artigo é utópico na sua maneira de ver tados, que, simultaneamente, são os mais ele- como também na sociedade em geral. Temos
o futuro. É-o propositadamente. Não preten- mentares da espécie humana: os do bem-es- de compreender, enquanto futuros médicos,
demos aqui alcançar um compromisso com a tar físico e psicológico. Apesar de tudo isso, o nosso papel no mundo que nos rodeia. Te-
realidade e fazer previsões baseadas em factos ainda há muito que não sabemos, como vimos. mos de analisar o presente para poder estar
e apoiadas na evidência: este não é o espaço Ainda há muitas portas que se podem abrir, preparados para as ondas que se avizinham
para isso. Este artigo procura apenas apresen- elos que se podem formar, áreas completas do mar em que navegamos; nas palavras de
tar as perspetivas de quem é tratado, para que de conhecimento que podem surgir. Vesálio William Osler: “A melhor preparação para o dia
percebamos as suas esperanças, os seus so- revolucionou o mundo da Anatomia; Röntgen, de amanhã é fazer o trabalho do dia de hoje
nhos, as suas expetativas, para que não caia- o da Imagiologia; Ramón y Cajal, o da Neu- soberbamente bem.”.
mos na nossa câmara de eco e esqueçamos a rociência. Inúmeras equipas de investigadores Com efeito, seremos, oxalá, médicos e
nossa verdadeira vocação: salvar vidas. e clínicos procuram soluções para os nossos médicas em 2050: continuaremos a lidar no
Bem entendido, quem dá asas à imagina- problemas todos os dias. quotidiano com pessoas, as suas histórias, os
ção tende a investir as suas declarações da Cooperamos com todas as áreas do sa- seus medos, os seus preconceitos, as suas
realidade em que se insere, isto é, o futuro da ber: a Filosofia ajuda-nos na deontologia e na ideias erradas. Continuaremos a lidar com al-
Humanidade tem sempre a marca do seu pre- ética, a Política ajuda-nos na saúde pública; guém que deposita em nós um grau incompa-
sente. Poder-nos-á parecer arcana, oblíqua, a Sociologia ajuda-nos na epidemiologia; as rável de confiança sem sequer nos conhecer
impossível, até, mas cabe-nos a nós a tarefa Artes Visuais, no desenho médico; além dos pessoalmente. Será apenas justo que lhe
de ser sensíveis ao ponto de compreender o inegáveis contributos da Engenharia e da In- continuemos a devolver, como tem sido fei-
que cada uma destas pessoas diz. Apenas formática, que tornam possível o tratamento to nestes milénios após Hipócrates, todo o
neste trabalho crítico nos poderemos reencon- clínico como o conhecemos hoje. De certo amor, toda a humanidade que temos dentro
trar, colocando-nos do outro lado da secretária modo, podemos reivindicar para nós esse de nós.
Ilustração: Ana Sousa
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