Page 34 - Revista FRONTAL - Edição 50
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CRÓNICA
SEREMOS (IN)SUSTENTÁVEIS
Tempos estranhos, estes que vivemos. do lixo estão consistentemente repletos de lu- dia a dia: os doentes.
Encontro-me hoje em D18 de distanciamento vas, aventais, toucas, máscaras, embalagens, Ainda assim, custa-me acreditar que não
social, em plena pandemia COVID-19, e nes- compressas, papéis; já para não falar nos resí- seja possível procurar, criar e implementar so-
te momento já não sei se estou mais preocu- duos orgânicos que, apesar de longe da vista, luções, alternativas mais “amigas do planeta”.
pada com o meu défice latente de vitamina D sabemos que o seu fim de “vida” passa por Sendo, de facto, um problema cujas conse-
ou com a intimidade por videochamada que uma câmara de incineração algures por aí. As quências se vão instalando gradualmente, é
preferia não ter com os meus professores. regras ditam que se higienizem as mãos em 5 fácil esquecermo-nos de que existem quando
Porque, de facto, é difícil não ser este o prin- tempos no contacto com cada doente e por não estamos a ser diretamente confrontados
cipal foco de atenção neste momento - é um isso gastamos mais água, mais papel e mais com uma delas - o que vem sendo cada vez
problema atual, sobre o qual temos ainda co- embalagens de uso único de sabonete e de menos frequente. Mas, estando todos cá, é
nhecimento limitado, mas com consequências SABA. Prescrevem-se medicamentos, atrás responsabilidade de todos e de cada um
a curto prazo. de medicamentos, atrás de medicamentos, fazer o melhor que pode para que continue
Não menos atual, mas quiçá menos preva- que acarretam consigo gastos “disfarçados” a ser sustentável aqui permanecermos por
lente nas nossas mentes pelo seu curso mais em todo o seu processo de produção, além mais algumas gerações.
insidioso, é o problema das alterações climáti- dos já rotineiros gastos de embalagens. E no Isso inclui, sem dúvida, os médicos. E in-
cas e da insustentabilidade da vida humana no Bloco Operatório são mais litros e litros de clui os médicos, não só como recipientes de
planeta Terra se mantivermos o estilo de vida, água, por cada pessoa, em cada cirurgia, ao novas condições clínicas que já decorrem e
nas suas mais variadas vertentes, que pratica- longo de cada dia. E em todo o lado, e cada continuarão a decorrer das alterações climá-
mos atualmente. E não quero com isto dizer vez mais, gastamos energia com computado- ticas e da poluição, impondo uma adaptação
que este problema não é pelo menos tão, ou res, ventiladores, monitores, técnicas de subs- às mesmas, mas também como efetores de
possivelmente mais, importante que o anterior tituição renal, eletrocautérios, ecógrafos… em pequenos gestos no dia a dia para que essas
- não, de todo. E é difícil, pelo menos para mim, máquinas de lavar e equipamentos de esterili- alterações sejam o mais frenadas possível; e
não o ter constantemente presente: quando zação… e a lista continua quase infinitamente. inclui toda a gestão de cuidados de saúde que
apanho o autocarro para o hospital e as ruas E, de um modo geral, ainda bem que é permita a implementação de medidas que po-
estão entupidas de carros; quando vou ao su- assim! Ainda bem que temos à nossa dispo- tenciem esses pequenos gestos e que deem
permercado e há maior procura por produtos sição uma gama cada vez maior de opções passos ainda maiores.
de origem animal do que vegetal; quando ca- terapêuticas farmacológicas para cada doente E o primeiro passo é parar e refletir; e, par-
minho para casa e os passeios estão ladeados e a segurança de que existe uma indústria a tindo daí, e fazendo um esforço para depositar
de sacos e embalagens de plástico usados. trabalhar para que essas opções sejam cada toda a esperança que consigo num grupo de
E é-me difícil não pensar nisso sempre que vez mais e mais variadas. Ainda bem que usa- mamíferos racionais que são os humanos que
passo uma manhã no hospital - que, neste mo- mos material de uso único para cada doente e partilham este planeta, acredito que, passo a
mento da minha vida de aluna de 5º ano de cumprimos as medidas de higiene recomen- passo e trabalhando em conjunto em prol
Medicina, é bastante recorrente. dadas e, assim, minimizamos grandemente as do objetivo comum que é a sustentabili-
É inacreditável a quantidade de des- cadeias de infeção no hospital; e, que se diga, dade ambiental, será possível mitigar os
perdício gerada numa manhã numa ala do em todo o esplendor do momento em que vi- efeitos mais nefastos que temos infligido
hospital mais banal - eu própria levei uns vemos atualmente: ainda bem que lavamos as à nossa volta e, idealmente, começarmos a
quantos anos até prestar mais atenção e re- mãos! Ainda bem que temos ao nosso dispor caminhar na direção oposta.
fletir sobre isso. Grande parte do material inúmeras tecnologias que, de facto, benefi-
acaba por ser descartável, pelo que os baldes ciam quem importa de forma mais urgente no
AUTOR
CAROLINA GAVANCHO
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