Page 218 - ANAIS - Oficial
P. 218

das circunstâncias que cercam o fato objetivamente ilegal e da realidade concreta, elementos

                  subjacentes à vontade e que não afloram com a precisão de um valor matemático.
                         Um agente público (policial, por exempo) atua, ou pode atuar, dolosamente quando, de

                  modo deliberado, vulnera, ou quer vulnerar, normas legais, para satisfazer fins ilícitos, sejam

                  públicos ou privados. O estilo autoritário do servidor que atropela o Estado de Direito (âmago
                  da conduta do torturador), eis  aí  algo que marca o dolo  administrativo 261 . Essa espécie de

                  dolo, admitindo-se a exigência de elemento anímico em qualquer ato de improbidade, flui,
                  naturalmente,  da  prática  da  tortura,  pois  de  modo  algum  é  possível  extrair  inabilidade,

                  despreparo  ou  atecnia  do  agente  público  que  se  vale  do  tormento  para  extrair  a  verdade,
                  humilhar ou impor castigo. Ele sabe que a tortura é um ato ilegal e moralmente censurável, e

                  quer infligi-lo. Assim o agente torturador pratica, voluntariamente, ação ou omissão e sabe

                  que  tais  ações  violam  os  deveres  de  honestidade,  imparcialidade,  legalidade  e  lealdade  às
                  instituições  (art.  11,  da  Lei  de  Improbidade).  Temos  então,  teoricamente,  o  dolo

                  administrativo como uma estrutura de vontade baseada no conhecimento.
                         É  exatamente  o  que  se  extrai  das  lições  de  Mazzilli  e  Rita  Tourinho,

                  respectivamente 262 :


                                   ―O dolo (para fins de aplicação da lei de improbidade) que se exige é o comum; é a vontade
                                   genérica de fazer o que a lei veda ou não fazer o que a lei manda".

                                   ―Dolo e culpa são espécies de vínculo de aspecto psicológico que liga o autor ao fato por
                                   ele praticado. (...) Age com dolo quem atua visando que seu ato contrarie o direito ou quer
                                   contrariar  o  direito  e  atua  para  isso.  (...)  Transportando  esta  noção  para  o  direito
                                   administrativo,  age  com  dolo  o  agente  que  voluntariamente  realiza  determinada  conduta
                                   proibida pela ordem jurídica".


                         A técnica de comprovação do dolo  deve ser realizada com  os mesmos mecanismos
                  com que se aborda a observação da ilegalidade do ato ou da atividade administrativa. Deverá

                  ser uma abordagem de constatação, baseada na regra de proibição tipificada normativamente
                  somada  a  uma  avaliação  interpretativa  da  realidade  concreta  (avaliação  dos  fundamentos,

                  meios e fins que justificaram o ato) 263 .
                         De  outro  lado,  mas  em  estreita  relação  com  a  linha  de  raciocínio  desenvolvida  e

                  considerando que o dolo comum ou genérico exigido para justificar a incidência do art. 11, da




                  261
                      OSÓRIO,  Fábio  Medina.  Teoria  da  Improbidade  Administrativa:  má  gestão  pública;  corrupção;
                  ineficiência. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 293.
                  262                                                                            a
                      MAZZILI,  Hugo  Nigro.  A  defesa  dos  interesses  difusos  em  juízo.  São  Paulo:Saraiva,  7 .  ed.,  p.  162;
                  TOURINHO, Rita. Discricionariedade Administrativa. Curitiba:Juruá, 2004, p. 173.
                  263   CHOINSKI,  Carlos Alberto  Hohmann.  Estudo  sobre  o  dolo  no direito  administrativo.  Disponível  em:
                  http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/19868-19869-1-PB.pdf. Último acesso: 16.06.2019.



                                                                                                             217
   213   214   215   216   217   218   219   220   221   222   223