Page 65 - Revista PSIQUE Ciência e Vida
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“Paz Agora”. Nele, ministrou palestras para da imaginação, ingredientes citados por Amós
conscientizar seu povo e os árabes palestinos como necessários para resolver conflitos quando
de um combate “entre o certo e o certo” que ele queremos ser humanos.
dominou de “Guerra Imobiliária”. Para Amós, O fanático generaliza e unifica a causa
o fanatismo é o combustível que alimenta essa em uma ideia ou crença para lutar com
luta, já que ambos dos lados merecem ter o seu ódio e vontade de
território. Ele deixou suas palestras publicadas vingança. Não treina
em sua obra literária Como Curar um Fanático. a possibilidade de Amós não escreve
Amós não escreve como um cientista político, colocar-se no lugar como um cientista
mas como um linguista que entende que há do outro; faltam-lhe político, mas como
algo de comum na natureza humana. É por aí imaginação e empatia. um linguista que
que estamos unidos, o que Jung chamou de Como a literatura é entende que há
inconsciente coletivo. Quanto mais evoluímos, antiunificadora ou algo de comum na
mais deixamos de seguir as trilhas da vida de generalista, ela não
forma inconsciente e descobrimos as ilusões que aponta os fins para natureza humana,
nos empurram muitas vezes para viver à beira justificar os meios, é por aí que
de um abismo. Toda história contada elo homem como fazem os estamos unidos, o
já traz em si a arquitetura desse inconsciente. fanáticos. Por essas que Jung chamou
Quando ao estamos atentos ao que somos razões, Amós aponta de inconsciente
e como somos, embarcamos na experiencia de a literatura como meio
odiar o que acreditamos ser o mal sem notar o de curar um fanático. coletivo
quando essa abominação a uma causa ou ideia A boa obra literária
nos leva irracionalmente a procurar tudo que cria mais perguntas e deixa que os vazios sejam
represente o seu contrário de abraçar, de forma preenchidos pela singularidade de cada leitor. Já
passional, tudo que simule esse avesso. Essa é a os livros que vêm, como os fanáticos, na forma de
ilusão de vencer o mal.” clichê, preenchendo os vazios como se soubessem
Amós cita uma frase do poeta John Donne, da necessidade particular de cada um, a exemplo
“nenhum homem é uma ilha e aproveita a dos de autoajuda, são os mais lidos na atualidade
metáfora para dizer que somos como penínsulas, e não servem para nos transformar.
em parte conectados com o continente que é a Sabemos que a atualidade, época marcada
família, a cultura, a tradição e outros laços etc.- e por relações apressadas e superficiais por
em parte lanchados ao mar em seus silêncio conta da tecnologia, faz essa questão ser um
profundo para viver o que é ser um “in-divíduo”. desafio. Assistir a um filme sobre uma obra
Para ele, qualquer sistema de governo que poética subtrai as imagens que o leitor criaria se
transforme o homem em uma ilha é cruel. estivesse em uma demorada e solitária leitura.
Árabes e judeus, vítimas de preconceito dos É por meio dessa obra que compreendemos
europeus, agem como dois irmãos vítimas de um as matrizes ou os arquétipos que nos levam a
mesmo pai opressor. A história mostra o quanto, viver as emoções de um processo imaginativo,
nessas situações, cada um dos irmãos projeta empático, que naturalmente se instaura em nós
no outro a opressão sofrida. Enquanto não como efeito terapêutico da leitura de uma boa
puderem sair da fase “infantil” de consciência, obra literária, como os clássicos.
vão reproduzir um para o outro a opressão que A psicodinâmica de um cliente nos faz
sofreram e, dessa forma, manter-se-ão numa entender o que se passa em seu universo
relação beligerante por meio do fanatismo. interior, mas só com a linguagem das metáforas
Para amadurecerem e tornarem-se penínsulas poderemos provocar-lhe a emoção do insight. A
em vez de arquipélagos constituído de ilhas solução de Amós Oz para o homem sair dessa Livro: Como Curar um
isoladas, não basta terem mais “informações” condição de fanático está em fazê-lo imergir Fanático
ou usarem a racionalidade, precisam cessar a nas suas profundezas por meio da literatura que Autor: Amós Oz
desumanização, combatendo o fanatismo. O carrega as metáforas poéticas, ou seja, utilizar-se Editora: Companhia
fanático é aquela figura singular que vive sem da natureza da psique mostrada na forma como das Letras
saber nada de si mesmo, longe da empatia e o inconsciente se expressa. • Páginas: 104
Carlos São Paulo é médico e psicoterapeuta junguiano.
é diretor e fundador do instituto junguiano da Bahia.
carlos@ijba.com.br / www.ijba.com.br
PSIǪUE Março 2019 - Ano 12