Page 82 - Revista PSIQUE Ciência e Vida
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Psiquiatria Forense
PAI da Medicina Legal
A obra de paulo zacchia serviu de inspiração de 200 anos, porém, na última
década praticamente nenhum novo tratado sobre a especialidade foi editado
Por Guido Arturo Palomba
á 360 ano morria Paulo Zacchia. Legal do Alienados (1866), de Auguste Morel; mais
Poucos médicos tiveram tanto adiante, Estudo Médico-legal Sobre a Loucura
prestígio em vida e reconhecimento (1872), de Ambroise Tardie. Mas foi o Tratado de
Hquanto ele. Era médico do papa e Psicopatologia Forence (1897, ano da edição italiana),
legumperitu (jusperito) dos tribunais eclesiásticos de Richard von Kraff t-Ebing, o primeiro a dar à
que, à época, eram chamados de Rota Romana Psiquiatria Forense o status de saber autônomo,
(judicava causas eclesiásticas e profanas, de Roma distinto da Psiquiatria e da Medicina Legal.
e do Estado Pontifício). Interessante notar que a partir daí vieram
Paulo Zacchia escreveu monumental obra de vários outros livros sobre a matéria, em diferentes
Medicina Legal, Quaestionum medico-legalium, países, pouco mais ou menos na mesma época.
o primeiro grande tratado sobre várias áreas da O primeiro brasileiro foi Esboço de Psychiatria
Medicina Legal, entre elas a que mais tarde se Forense (1904), de Francisco Franco da Rocha.
chamaria Psiquiatria Forense, A história da Psiquiatria Forense, a bem ver,
Por esse motivo é considerado o Pai da pode ser contada pelas publicações clássicas que
Medicina Legal, da Psiquiatria Forense e dos lhe são próprias, registros de um modo de pensar
Peritos. A obra completa foi escrita entre 1621 a sobre os misteres da Psiquiatria e do Direito, no
1657, dividida originalmente em nove livros. ponto em que se articula o “discurso” médico com
O Livro 2, Título 1 chama-se Da Demência a o “discurso” jurídico.
dos Males da Razão e nele constam, pela primeira Agora, em pleno século XXI, pergunta-se: onde
vez na história, questões de Psiquiatria Forense estão os atuais tratados dessa área? Resposta:
que, lidas à distância de centúrias, ainda guardam sumiram do mapa, ou seja, são cada vez mais
ensinamentos precisos, Lá encontram-se doenças raros, senado certo que na última década
psiquiátricas modernas, por exemplo a epilepsia, praticamente nenhum novo tratado sobre a
os efeitos mentais dos traumatismos de crânio, os especialidade foi editado no mundo ocidental.
maníacos, os ébrios e assim por diante. Isso explica-se pela agonia da psicopatologia,
A obra de Zacchia serviu aos peritos por cerca de durante golpeada pelos ditos instrumentos
200 anos. Depois dela vieram Frenologia Forense e protocolos de exame do doente mental,
(1865), de De Livi; a seguir, Tratado de Medicina dominantes há quase duas décadas, que ditam
os padrões atuais de diagnostico, os quais se
encaixarão na Classifi cação Internacional de
Doenças (CID) e no arremedo americano, Manual
Estatístico e Diagnostico (DSM, sigla em inglês).
Porém, a história, que é longa e secular,
certamente mostrará no futuro que a
especialidade voltou a se fecundada. Quando
isso acontecer, a CIS e o DSM estarão desnudos, a
mostrar os seus redondos símbolos da decadência
do saber psiquiátrico contemporâneo. Talvez
leve ainda algumas gerações até tal ocorrer, mas,
fatalmente, a ciência fi na e sensível voltara a ver
o homem como ele é: um ser completo, de corpo e
psique indivisível, inserido no meio social, como o
Pai dos Peritos, há 360 anos, concebia. •
Guido Arturo Palomba é
psiquiatra forense e membro
emérito da Academia de
Medicina de São Paulo.
Março 2019 - Ano 12 PSIǪUE