Page 19 - Revista - Rio e Mar
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de peixe mesmo!” (Darci, 73 anos, tecelão de redes, set. 2017). feriados e verão. Antigamente, de modo combinado à
pesca, e mais intensamente do que hoje em dia, os mo-
A história de vida de seu Darci, ex-pescador e tecelão de
radores praticavam a agricultura. Isso ainda ocorre de
redes de pesca, enfoca o cotidiano na vila de Regência
Augusta há mais de 40 anos: viver de peixe! Uma vila pe- modo expressivo nas imediações da vila, como em Entre
Rios e Areal, localidades que ficam mais ao norte. Tam-
quena, onde as pessoas dependiam desse rio aí. O peixe ali
bém encontramos moradores de Regência que aponta-
é tanto alimento como modo de vida. A fartura de peixes
ram manter roçados em ilhas ao longo do rio Doce, as
como cação-espada, que ele afirma já não existir mais, a
tainha, o robalo, era comum. A vida no rio e na beira do chamadas “cabrucas”. A pesca também poderia, e ainda
pode, ser combinada com outras atividades sem carac-
mar compunha o trabalho, as trocas, o lazer, os encontros
terizar atividade formal, e, até hoje, as embarcações dos
e as amizades, a religiosidade. A fala de seu Humberto,
outro antigo do lugar, com 72 anos, também pontuou os próprios moradores são de pequeno porte: “Que o pes-
soal daqui não pesca no alto mar, só... na beira da costa,
peixes de antigamente, e de mais recentemente, antes da
beira da praia mesmo” (Darci, tecelão de redes, set. 2017).
interdição da pesca, quando se pegava tainha, carapeba e
varga no rio Doce, e pescadinha e robalo no mar. A pesca é efetuada tanto comercialmente, com o uso de
barcos motorizados, quanto em menor escala para o con-
“Peixe tinha muito, mas não tinha comprador, não. Era sumo individual ou familiar, como a pesca que se dá na
mesmo pra salgar, botar em cima de casa pra comer. Ro-
balo salgado, tainha, ticupa, tudo salgado aqui, que gela- beira do mar e do rio Doce, com as redes nas costas. Essa
deira não existia, né. (...) Comprador mesmo não tinha, atividade se incorpora de tal forma no cotidiano e no
não (...) Pessoal ia ali na praia, ali... tinha rede (...) mar- pensamento local que é possível afirmar que o número
cava a hora da maré, certinho... dava um lança, só um de pescadores cadastrados na associação de pesca local
lança só, pegava 150 robalo, 200 robalo. (...). Pegava tanto, não expressa verdadeiramente o que ocorre na prática. O
não vendia, né. Só pegava aquela quantidade só e vinha
embora...” (Darci, 73 anos, tecelão de redes, set. 2017). envolvimento das pessoas com o rio Doce e o mar era diá-
rio, até o crime-desastre da Samarco ocorrer, vide a pre-
“Aí nós pegava é… robalo, carapeba, tainha, né, os peixe sença do peixe no cardápio local, de modo que a ativida-
mesmo do rio Doce mesmo. Os peixe de dentro do rio.
[...] três corró de peixe, e vê esse peixe aí… Bagre, xaréu, de econômica da pesca não era um atributo somente das
tudo a gente pegava. Tô falando os peixe grande [...] bru- pessoas formalmente associadas como pescadores e pes-
to, esse que a gente pegava de rio, travamel, cação, cação cadoras. Isso deve ser ressaltado, pois ajuda a entender o
de espada, um bicho que botava uma espadona [inau- fato de muitos pescadores não terem recebido o auxílio
dível] desse tamanho assim na cara. Pegava esses peixe chamado de “cartão da Samarco”, distribuído no contex-
tudinho. Agora não, agora a gente nem… não é bom pra
nada, não dá nem pra entra [risos]. Cadê água? Cabô to pós-crime-desastre. A listagem que serviu de base para
água” (Humberto, 72 anos, ex-pescador, set. 2017). a distribuição do auxílio privilegiou os formalizados, dei-
xando de fora um contingente importante de pessoas que
Regência Augusta se situa na margem direita do rio vivem(iam) da pesca, direta ou indiretamente.
Doce, onde o rio encontra o oceano. Com cerca de mil
habitantes, a população aumenta em datas festivas, como
Carnaval, festa de Caboclo Bernardo e de São Benedito,
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