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SÚPLICA

              eu só peço a Deus
              que a trabalho não se traduza em mim
              engenhosa máquina de moer gente

              eu só peço a Deus
              que o punhal da dúvida não me transpasse o fígado:
              suplantado bicho-homem, amargo, silente
              eu só peço a Deus
              que o tempo das coisas não me fure o couro

               – entre esperas e esporas
              que, ao homem que me tornei,
              não permita arrancar do peito o sonho, a esperança.

              eu só peço a Deus
              que os donos do poder não me encontrem um dia
              entre cabras que pastam,
              dando milho e razão aos pombos.

              eu só peço a Deus
              que essa dor assim tão pungente;
              que o ódio, monstro grandiloquente,
              de dorso e patas abissais
              – por quem já fui cingido fortemente –
              não me invada o coração
              não (mais) me pise o juízo

              eu, ao homem que me tornei,
              só peço a Deus.


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