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12 CRÓNICA | JULHO 2019 Notícias da Gandaia
A COVA DO VAPOR E O
NAUFRÁGIO DO TONECAS
|Francisco Silva
Em plena estação balnear, en- sombrada pelas alterações climáti- cas e consequente subida do nível médio da água do mar, vem a pro- pósito lembrar que na história de Almada existem vários episódios climáticos extremos que trouxe- ram o concelho às páginas dos jor- nais. Os galgamentos marítimos atingiram com alguma regulari- dade a frente atlântica, sendo re- feridos na imprensa nacional com maior incidência a partir da década de quarenta do século passado. Podemos associar o efeito desses episódios a duas causas imediatas: a geodinâmica natural da foz do rio Tejo e a intervenção humana sobre o território, quer através da
Costa da Caparica até aos anos 30 do século XX. As condições que proporcionaram o surgimento da povoação da Cova do Vapor, bem como da já desaparecida Lisboa- Praia, devem-se principalmente à acção humana, mais precisamente à dragagem de areias. Conforme testemunhos orais corroborados pela imprensa, a partir do início da década de 1930 foram extraídas grandes quantidades de areia des- tinadas aos aterros necessários à construção do Porto de Lisboa, da envolvente da Torre de Belém e para alimentação das praias do Es- toril. A extração de areia deu ori- gem a uma Cova que, acumulando grande volume de água, deixou permanentemente emersa uma restinga de areia que até então era submersa na maré cheia. Estavam assim criadas as condições para instalação de barracas de madeira onde um cada vez maior número de banhistas procurava um lugar propício para umas férias na praia, próximo da capital.
mente designado por Chupadora.
desaparecimento do lugar cha- mado Lisboa-Praia, povoação de casas de madeira construídas na restinga existente entre a Cova do Vapor e o Bugio. Segundo a im- prensa da época, terá acontecido no inverno de 1958, em virtude do rompimento do cordão dunar fra- gilizado pela continuada extracção de areias no local.
remoção de areias, quer pela cons- trução de edifícios em zonas até então preteridas pelas comunida- des locais conhecedoras da dinâ- mica marítima.
Lamentavelmente, as curvas da história relacionam a Cova do Vapor com uma tragédia. Descrita pelo saudoso publicista Victor Aparício no livro: Tonecas, a tra- gédia que enlutou Almada, co- nhecem-se os pormenores e contingências do trágico acidente. Tonecas era o nome de um caci- lheiro que fazia a ligação Cais do Sodré – Cacilhas. Na noite de 19 de dezembro de 1938, frente ao Cais das Colunas, o Tonecas foi abal- roado pela draga Finalmarina, que realizava a sua 2000a viagem trans- portando areia da Cova do Vapor. O acidente vitimou dezenas de pessoas entre tripulantes e passa- geiros, mortos e desaparecidos, fi- cando gravado na memória de muitas famílias almadenses.
Apesar dos riscos, das contin- gências e da ausência de ordena- mento, a Cova do Vapor é uma referência na história de Almada, um exemplo do que é, e do que foi, o ir a banhos, mas também tes- temunho de criatividade, resistên- cia e organização popular. A Cova do Vapor, também é linda! |
Historicamente podemos cons- tatar, a partir da cartografia, as profundas transformações ocorri- das desde o início do século XIX nos bancos de areia existentes na margem esquerda da foz do Tejo. São comuns as memórias que re- ferem a possibilidade de, na maré baixa, ir a pé ao Farol do Bugio. No entanto, não se encontra ne- nhuma referência à existência de qualquer aglomerado populacio- nal nos areais entre a Trafaria e a
Esclarecida a origem da palavra Cova no topónimo da actual po- voação, importa explicar que a ex- tracção de areia, por sucção, era feita por navio a vapor, popular-
Trágico, embora sem perda de vidas humanas, foi igualmente o
|António José Zuzarte Comemorei, neste Agosto pas-
CAPARICA,1964...
A PRIMEIRA VEZ
sado, meio século... Foi a primeira vez que, descendo a estrada es- treita, que serpenteia pelas encos- tas da arriba fóssil, atingi a Costa da Caparica. Era a estrada antiga para chegar a estas paragens vindo do ardente Alentejo. A con- vite de amigos de Évora, que ti- nham as suas casas nesta praia, para mim desconhecida, passei aqui uns quinze dias desse Agosto de há meio século. A minha pri- meira mulher e a minha filha, que ainda não tinha completado um ano de vida, acompanharam-me nestes dias de descanso e recupe- ração. Um acidente, ocorrido na arena do Campo Pequeno, obri- gava-me a ter a perna direita toda
imobilizada e, devido ao gesso, não podia mergulhar nas águas transparentes deste oceano... mas havia o convívio, o estar entre amigos, o cimentar de amizades, que ficaram pela vida fora até aos dias de hoje.
noutro lugar... só mar azul e al- guns barcos de pescadores e, na maré baixa, muitas, mas muitas, conquilhas.
Como era diferente a Costa nes- ses anos distantes!!! Um dos edifí- cios mais altos era a Estalagem Rosa dos Ventos e, a casa onde fi- cávamos, era uma vivenda encos- tada a ela. Na praia não havia espigões para segurar as areias, nem paredão, nem restaurantes à beira mar... só um imenso areal que o mar lambia com as suas ondas, mais ou menos violentas... não havia surfistas, nem aqui, nem
Os poucos, que vinham para estas paragens, acabavam por ser todos conhecidos. O acesso a Lis- boa só se fazia de barco. Não havia pontes para atravessar o grande Tejo e escoar o trânsito. Só os caci- lheiros, e outros barcos, que saiam da Trafaria e de Porto Brandão, permitiam a ligação à capital e ao norte do Tejo. Um mundo tão dife- rente do cosmopolitismo e massi- ficação que hoje encontramos.
anos setenta e oitenta, voltei aqui de novo, esporadicamente, para passar um ou outro dia de praia. Sóapartirde1992,jánofimda época balnear, na última semana de Setembro, aqui voltei para ficar... o coração falou mais alto e passei a ser um caparicano, de fins de semana e de férias de Verão. Só, há cerca de sete anos, comecei a passar a maior parte do meu tempo por estas paragens, a co- nhecer as suas gentes e a viver esta cidade.
Há amor para repartir, vidas a crescer, tempo para sonhar, novas amizades para partilhar e recordar aquele já distante 1964, quando ao lado do meu grande amigo Eduardo Soares Arimatea, alente- jano como eu, mas da vila do Vi- mieiro, fomos fotografados, junto ao seu MG descapotável, para re- cordar agora, aquela primeira vez, há sempre uma primeira vez, que o Sol da Caparica, incidiu sobre o meu corpo branco de alentejano do sequeiro...|
Esta foi de facto a primeira vez que por aqui passei férias e pisei estas praias... mais tarde, nos

