Page 10 - Franz Kafka: A metamorfose
P. 10
- Aquilo não era voz humana - disse o chefe de escritório, numa voz perceptivel-
mente baixa ao lado da estridência da mãe.
- Ana! Ana! - chamava o pai, através da parede para a cozinha, batendo as palmas -,
chama imediatamente um serralheiro!
E as meninas corriam pelo corredor, com um silvo de saias - como podia a irmã ter-
se vestido tão depressa?-, e abriam a porta da rua de par em par. Não se ouviu o som
da porta a ser fechada a seguir; tinham-na deixado, evidentemente, aberta, como se
faz em casas onde aconteceu uma grande desgraça.
Mas Gregor estava agora muito mais calmo. As palavras que pronunciava já não
eram inteligíveis, aparentemente, embora a ele lhe parecessem distintas, mais dis-
tintas mesmo que antes, talvez porque o ouvido se tivesse acostumado ao som delas.
Fosse como fosse, as pessoas julgavam agora que ele estava mal e estavam prontas a
ajudá-lo. A positiva certeza com que estas primeiras medidas tinham sido tomadas
confortou-o. Sentia-se uma vez mais impelido para o círculo humano e confiava
em grandes e notáveis resultados, quer do médico, quer do serralheiro, sem, na ver-
dade, conseguir fazer uma distinção clara entre eles. No intuito de tornar a voz tão
clara quanto possível para a conversa que estava agora iminente, tossiu um pouco,
o mais silenciosamente que pôde, claro, uma vez que também o ruído podia não
soar como o da tosse humana, tanto quanto podia imaginar. Entrementes, na sala
contígua havia completo silêncio. Talvez os pais estivessem sentados à mesa com o
chefe de escritório, a segredar, ou talvez se encontrassem todos encostados à porta,
à escuta.
Lentamente, Gregor empurrou a cadeira em direção à porta, após o que a largou,
agarrou-se à porta para se amparar as plantas das extremidades das pequenas per-
nas eram levemente pegajosas- e descansou, apoiado contra ela por um momento,
depois destes esforços. A seguir empenhou-se em rodar a chave na fechadura,
utilizando a boca. Infelizmente, parecia que não possuía quaisquer dentes - com que
havia de segurar a chave?-, mas, por outro lado, as mandíbulas eram indubitavel-
mente fortes; com a sua ajuda, conseguiu pôr a chave em movimento, sem prestar
atenção ao fato de estar certamente a danificá-las em qualquer zona, visto que lhe
saía da boca um fluído castanho, que escorria pela chave e pingava para o chão.
- Ouçam só - disse o chefe de escritório na sala contígua - esta dando volta na chave .
Isto foi um grande encorajamento para Gregor; mas todos deviam tê-lo animado
com gritos de encorajamento, o pai e a mãe também: Não, Gregor, deviam todos
ter gritado, - Continua, agarra-te bem a essa chave! E, na crença de que estavam to-
dos a seguir atentamente os seus esforços, cerrou imprudentemente as mandíbulas
na chave com todas as forças de que dispunha. À medida que a rotação da chave
progredia, ele torneava a fechadura, segurando-se agora só com a boca, empur-