Page 14 - Franz Kafka: A metamorfose
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de Gregor, agarrou com a mão direita na bengala que o chefe de escritório tinha
        deixado numa cadeira, juntamente com um chapéu e um sobretudo, e, com a es-
        querda, num jornal que estava em cima da mesa e, batendo com os pés e brandindo
        a bengala e o jornal, tentou forçar Gregor a regressar ao quarto. De nada valeram os
        rogos de Gregor, que, aliás, nem sequer eram compreendidos; por mais que baixasse
        humildemente a cabeça, o pai limitava-se a bater mais fortemente com os pés no
        chão. Por trás do pai, a mãe tinha escancarado uma janela, apesar do frio, e debruça-
        va-se a ela segurando a cabeça com as mãos. Uma rajada de vento penetrou pelas es-
        cadas, agitando as cortinas da janela e agitando os jornais que estavam sobre a mesa,
        o que fez que se espalhassem algumas páginas pelo chão. Impiedosamente, o pai de
        Gregor obrigava-o a recuar, assobiando e gritando como um selvagem. Mas Gregor
        estava pouco habituado a andar para trás, o que se revelou um processo lento. Se
        tivesse uma oportunidade de virar sobre si mesmo, poderia alcançar imediatamente
        o quarto, mas receava exasperar o pai com a lentidão de tal manobra e temia que a
        bengala que o pai brandia na mão pudesse desferir-lhe uma pancada fatal no dorso
        ou na cabeça. Finalmente, reconheceu que não lhe restava alternativa, pois verifi-
        cou, aterrorizado, que, ao recuar, nem sequer conseguia controlar a direção em que
        se deslocava-se, assim, sempre observando ansiosamente o pai, de soslaio, começou
        a virar o mais rapidamente que pôde, o que, na realidade, era muito moroso. Talvez
        o pai tivesse registrado as suas boas intenções, visto que não interferiu, a não ser
        para, de quando em quando e à distância, lhe auxiliar a manobra com a ponta da
        bengala. Se ao menos ele parasse com aquele insuportável assobio! Era uma coisa
        que estava a pontos de fazê-lo perder a cabeça. Quase havia completado a rotação
        quando o assobio o desorientou de tal modo que tornou a virar ligeiramente na
        direção errada. Quando, finalmente, viu a porta em frente da cabeça, pareceu-lhe
        que o corpo era demasiadamente largo para poder passar pela abertura. É claro que
        o pai, no estado de espírito atual, estava bem longe de pensar em qualquer coisa
        que se parecesse com abrir a outra portada, para dar espaço à passagem de Gregor.
        Dominava-o a idéia
        fixa de fazer Gregor regressar para o quarto o mais depressa possível. Não agüen-
        taria de modo algum que Gregor se entregasse aos preparativos de erguer o corpo
        e talvez deslizar através da porta. Nesta altura, o pai estava porventura a fazer mais
        barulho que nunca para obrigá-lo a avançar, como se não houvesse obstáculo ne-
        nhum que o impedisse; fosse como fosse, o barulho que Gregor ouvia atrás de si
        não lhe soava aos ouvidos como a voz de pai nenhum. Não sendo caso para brinca-
        deiras, Gregor lançou-se, sem se preocupar com as conseqüências, pela abertura
        da porta. Um dos lados do corpo ergueu-se e Gregor ficou entalado no umbral
        da porta ferindo-se no flanco, que cobriu a porta branca de horrorosas manchas.
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