Page 13 - Franz Kafka: A metamorfose
P. 13

Era inteligente; começara a chorar quando Gregor estava ainda deitado de costas
        na cama. E por certo o chefe de escritório, parcial como era em relação às mul-
        heres, acabaria se deixando levar por ela. Ela teria fechado a porta de entrada e, no
        vestíbulo, dissiparia o horror. Mas ela não estava e Gregor teria de enfrentar sozinho
        a situação. E, sem refletir que não sabia ainda de que capacidade de movimentos
        dispunha, sem se lembrar sequer de que havia todas as possibilidades, e até todas
        as probabilidades, de as suas palavras serem mais uma vez ininteligíveis, afastou-se
        do umbral da porta, deslizou pela abertura e começou a encaminhar-se para o chefe
        de escritório, que estava agarrado com ambas as mãos ao corrimão da escada para
        o terraço; subitamente, ao procurar apoio, Gregor tombou, com um grito débil, por
        sobre as inúmeras pernas. Mas, chegado a essa posição, experimentou pela primeira
        vez nessa manhã uma sensação de conforto físico. Tinha as pernas em terra firme;
        obedeciam-lhe completamente, conforme observou com alegria, e esforçavam-se
        até por impeli-lo em qualquer direção que pretendesse. Sentia-se tentado a pensar
        que estava ao seu alcance um alívio final para todo o sofrimento. No preciso mo-
        mento em que se
        encontrou no chão, balançando-se com sofrida ânsia para mover-se, não longe da
        mãe, na realidade mesmo defronte dela, esta, que parecia até aí completamente an-
        iquilada, pôs-se de pé de um salto, de braços e dedos estendidos, aos gritos: Socorro,
        por amor de Deus, socorro! Baixou a cabeça, como se quisesse observar melhor
        Gregor, mas, pelo contrário, continuou a recuar em disparada e, esquecendo-se de
        que tinha atrás de, si a mesa ainda posta, sentou-se precipitadamente nela, como se
        tivesse perdido momentaneamente a razão, ao esbarrar contra o obstáculo impre-
        visto. Parecia igualmente indiferente ao acontecimento de a cafeteira que tinha ter
        tombado e estava derramando um fio sinuoso de café no tapete.
        - Mãe, mãe - murmurou Gregor, erguendo a vista para ela.
        Nessa altura, o chefe de escritório estava já completamente tresloucado; Gregor, não
        resistiu ao ver o café a correr, cerrou as mandíbulas com um estalo. Isto fez com que
        a mãe gritasse outra vez, afastando-se precipitadamente da mesa e atirando-se para
        os braços do pai, que se apressou a acolhê-la. Mas agora Gregor não tinha tempo
        a perder com os pais. O chefe de escritório nas escadas; com o queixo apoiado no
        corrimão, dava uma última olhadela para trás de si. Gregor deu um salto, para ter
        melhor a certeza de ultrapassá-lo; o chefe de escritório devia ter-lhe adivinhado
        as intenções, pois, de um salto, venceu vários degraus e desapareceu, sempre aos
        gritos, que ressoavam pelas escadas.
        Infelizmente a fuga do chefe de escritório pareceu pôr o pai de Gregor completa-
        mente fora de si, embora até então se tivesse mantido relativamente calmo. Assim,
        em lugar de correr atrás do homem ou de, pelo menos, não interferir na perseguição
   8   9   10   11   12   13   14   15   16   17   18