Page 18 - Franz Kafka: A metamorfose
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gio debaixo do sofá e rojar-se-lhe aos pés, pedindo de comer. A irmã notou imedi-
        atamente, com surpresa, que a tigela estava ainda cheia, à exceção de uma pequena
        porção de leite derramado em tomo dela; ergueu logo a tigela, não diretamente
        com as mãos, é certo, mas sim com um pano, e levou-a. Gregor sentia uma enorme
        curiosidade de saber o que traria ela em sua substituição, multiplicando conjectu-
        ras. Não poderia de modo algum adivinhar o que a irmã, em toda a sua bondade,
        fez a seguir. Para descobrir do que gostaria ele, trouxe-lhe toda uma quantidade de
        alimentos, sobre um pedaço velho de jornal. Eram hortaliças velhas e meio podres,
        ossos do jantar da noite anterior, cobertos de um molho branco solidificado; uvas e
        amêndoas, era um pedaço de queijo que Gregor dois
        dias antes teria considerado intragável, era uma côdea de pão duro, um pão com
        manteiga sem sal e outro com manteiga salgada. Além disso, tornou a pôr no chão
        a mesma tigela, dentro da qual deixou água, e que pelos vistos ficaria reservada
        para seu exclusivo uso. Depois, cheia de tacto, percebendo que Gregor não com-
        eria na sua presença, afastou-se rapidamente e deu mesmo volta chave, dando-lhe
        a entender que podia ficar completamente à vontade. Todas as pernas de Gregor se
        precipitaram em direção à comida. As feridas deviam estar completamente curadas,
        além de tudo, porque não sentia qualquer incapacidade, o que o espantou e o fez
        lembrar-se de que havia mais de um mês tinha feito um golpe num dedo com uma
        faca e ainda dois dias antes lhe doía a ferida. - Estarei agora menos sensível? Pen-
        sou, ao mesmo tempo em que sugava vorazmente o queijo, que, de toda a comida,
        era a que mais forte e imediatamente o atraía. Pedaço a pedaço, com lágrimas de
        satisfação nos olhos, devorou rapidamente o queijo, as hortaliças e o molho; por
        outro lado, a comida fresca não tinha atrativos para si; não podia sequer suportar-
        lhe o cheiro, que o obrigava até a arrastar para uma certa distância os pedaços que
        era capaz de comer. Tinha acabado de comer havia bastante tempo e estava apenas
        preguiçosamente quieto no mesmo local, quando a irmã rodou lentamente a chave
        como que a fazer-lhe sinal para se retirar. Isto fez com que ele se levantasse de súbi-
        to, embora estivesse quase adormecido, e precipitar-se novamente para debaixo do
        sofá. Foi-lhe necessária uma considerável dose de autodomínio para permanecer ali
        debaixo, dado que a pesada refeição lhe tinha feito inchar um tanto o corpo e estava
        tão comprido que mal podia respirar, Atacado de pequenos surtos de sufocação,
        sentia os olhos saírem um bocado para fora da cabeça ao observar a irmã, que de
        nada suspeitava, varrendo não apenas os restos do que comera, mas também as
        coisas em que não tocara, como se não fossem de utilidade fosse para quem fosse, e
        metendo-as, apressadamente, com a pá, num balde, que cobriu com uma tampa de
        madeira e retirou do quarto. Mal a irmã virou costas, Gregor saiu de baixo do sofá,
        dilatando e esticando o corpo.
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