Page 20 - Franz Kafka: A metamorfose
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se não queria cerveja e oferecia-se amavelmente para lha ir comprar; se ele não re-
        spondia, dava a entender que podia pedir à porteira que fosse buscá-la, para que ele
        não se sentisse em dívida, mas nessa altura o pai retorquia com um rotundo: Não!
        e ficava o assunto arrumado.
        Logo no primeiro dia, o pai explicara a situação financeira e as perspectivas da
        família a mãe e a irmã. De quando em quando, erguia-se da cadeira para ir buscar
        qualquer recibo ou apontamento a um pequeno cofre que tinha conseguido sal-
        var do colapso financeiro em que mergulhara cinco anos atrás. Ouviam-no abrir
        a complicada fechadura e a remexer em papéis, depois a fechá-la novamente. Tais
        informações do pai foram as primeiras notícias agradáveis que Gregor teve desde o
        início do cativeiro. Sempre julgara que o pai tinha perdido tudo, ou, pelo menos, o
        pai nunca dissera nada em contrário e é evidente que Gregor nunca lho perguntara
        diretamente. Na altura em que a ruína tinha desabado sobre o pai, o único desejo
        de Gregor era fazer todos os possíveis para que a família se esquecesse com a maior
        rapidez de tal catástrofe, que mergulhara todos no mais completo desespero. Assim,
        começara a trabalhar com invulgar ardor e, quase de um dia para outro, passou de
        simples empregado de escritório a caixeiro-viajante, com oportunidades conseguiu
        entre melhores de ganhar bem, êxito esse que depressa se converteu em metal so-
        nante que depositava na mesa, ante a surpresa e a alegria da família. Tinha sido
        uma época feliz, que nunca viria a ser igualada, embora mais tarde Gregor ganhasse
        o suficiente para sustentar inteiramente a casa. Tinham-se, pura e simplesmente,
        habituado ao acontecimento, tanto a família corno ele próprio: ele dava o dinheiro
        de boa vontade e eles aceitavam-no com gratidão, mas não havia qualquer efusão de
        sentimentos. Só com a irmã mantivera uma certa intimidade, alimentando a secreta
        esperança de poder mandá-la para o Conservatório no ano seguinte, apesar das
        grandes despesas que isso acarretaria, às quais de qualquer maneira haveria de fazer
        face, já que ela, ao contrário de Gregor, gostava imenso de música e tocava violino
        de tal modo que comovia quantos a ouviam. Durante os breves dias que passava em
        casa, falava muitas vezes do Conservatório nas conversas com a irmã, mas sempre
        apenas como um belo sonho irrealizável; quanto aos pais, procuravam até evitar
        essas inocentes referências à questão. Gregor tomara a firme decisão de levar a idéia
        avante e tencionava anunciar solenemente o acontecimento no dia de Natal.
        Essas eram as idéias - completamente fúteis, na sua atual situação - que lhe povoa-
        vam a mente enquanto se mantinha ereto, encostado à porta, à escuta. Por vezes, o
        cansaço obrigava-o a interrompê-la, limitando-se então a encostar a cabeça à porta,
        mas imediatamente obrigado a endireitar-se de novo, pois até o leve ruído que fazia
        ao mexer a cabeça era audível na sala ao lado e fazia parar todas as conversas.
        Que estará ele a fazer agora, perguntou o pai decorridos alguns instantes, virando-
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