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DISCURSOS DIRETOS - Diálogos sobre o multiculturalismo religioso
Era começo de 2015. Nessa época, eu costumava assistir a Continuei conversando com ela, claro, mas sempre achando
uma série de TV, House M.D., mas ninguém que convivia pró- estranho o fato de ela morar tão longe. No começo, eu real-
ximo a mim assistia comigo, então eu não tinha com quem mente sentia que isso seria um obstáculo enorme na nossa
conversar sobre ela. Eu precisava falar com alguém, afinal, amizade. Mal sabia eu que essas conversas levariam a coisas
como deixar passar algo que eu achava muito bom e que me muito mais intensas e interessantes.
empolgava?
Começamos a nos falar mais frequentemente, ríamos muito
Foi quando surgiu a ideia de criar um Twitter. Precisava de e foi então que a minha ficha começou a cair: ela se parecia
alguém para conversar sobre a série, já que nenhum conhe- muito comigo. Com o tempo, o fato de ela morar no Paquistão
cido assistia também... Depois de quase um mês pensando, foi se tornando apenas uma coisa bem pequena no meio de
finalmente decidi criar uma conta para, pelo menos, ter onde uma amizade muito maior.
falar.
Um dia, perguntei sobre sua religião, por curiosidade mesmo,
Logo na primeira semana de uso comecei a conversar com e ela me respondeu que era muçulmana.
uma menina. Era dia 03 de março. Nosso assunto começou
graças à série, que ela também amava, e isso acabou me “Muçulmana?”, perguntei a mim mesma.
tan"
tan" inglês. Tive que pesquisar mais, eu não sabia nada sobre o Islam. Foi
deixando muito animada. Conversávamos todos os dias em
nesse ponto que meu interesse começou. Ela tinha mesmo
uma cultura bem diferente da minha, mas ao mesmo tempo
Certo dia, perguntei seu nome.
ela era tão parecida comigo... Minha curiosidade aumentava
“Mashal”, ela me respondeu. cada vez mais.
Fiquei me perguntando: “Mashal? Mas que nome mais le- Começamos a nos interessar muito pela cultura uma da ou-
gal!”. Então, para conhecê-la melhor, perguntei de onde ela tra. Então, eu sempre mandava fotos das coisas que eu fazia,
era e sua idade. Ela respondeu a todas as minhas questões da comida, das pessoas, do céu e até das ruas, da Páscoa, do
sempre muito solícita e tão animada quanto eu por me co- Natal, dos eventos da escola... E ainda mando. Ela também
nhecer. mandava fotos dos casamentos, das roupas, das pessoas, das
paisagens e dos eventos em geral, e continua mandando.
Nesse dia, conheci uma grande amiga. Ela me contou que
tinha 13 anos (a minha idade!) e morava no Paquistão. Nessa Um dia, mesmo com um fuso horário de oito horas a mais
hora posso dizer, com muita vergonha de mim mesma, que eu para ela, conseguimos entrar no FaceTime (ligação por ví-
nem sabia direito onde ficava o Paquistão. Foi estranho. deo). Nos vimos ao vivo. Conversamos por mais de uma hora.
Rimos. Foi muito emocionante. Eu já sabia muita coisa sobre
“Como assim, ela mora no Paquistão? O que tem lá? Calma, ela, sobre seus pais e também sobre sua religião, e vice-versa.
onde fica o Paquistão? Oriente Médio? Nossa, que incomum”.
Sim, eu pensei isso. Era tudo muito novo. Nossa amizade foi se fortalecendo cada vez mais, e continua
sendo assim.
1*Brazakistan: Brazil + Pakistan. Nome dado, por mim e pela Mashal, à nossa amizade
e intercâmbio de culturas. Uma junção muito feliz de dois países totalmente diferentes.
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