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ENTREVISTA A: PROF. NUNO GARCIA
aprova um tarifário destes num conselho de administração de testes e certificações que têm que ser feitas antes de uma
de uma empresa de telecomunicações em Portugal não tecnologia chegar aos doentes / utilizadores em si. Por
sente vergonha a ouvir o hino nacional. O Data Caps é uma exemplo nós temos um algoritmo que prevê com 86% de
consequência do anterior. Imposto com o argumento da certeza qual o prognóstico vital de um doente cardíaco que
utilização responsável da largura de banda (como se não tenha sido internado numa Unidade de Cuidados Intensivos.
houvesse de facto melhores meios para controlar isso), o E vamos melhorá-lo, claro. Temos um outro algoritmo que,
Data Caps acabar por nos colocar a todos numa dança parva lendo um ECG consegue identificar com 100% de certeza se
de “liga dados móveis / desliga dados móveis”. Isto é há alguma patologia associada ou não, e depois, dentro das
profundamente ridículo, contribuí para uma má experiência patologias, aí não é tão certo e entre duas das patologias
de utilização dos equipamentos, e prejudica quem quer fazer ainda se baralha um bocadinho. Mas estamos a trabalhar
um uso sério da Internet móvel. E nem falemos de outro neles e teremos resultados ainda melhores em breve.
assunto que é este: como é que eu posso confiar nos valores
medidos para o meu tráfego móvel se os operadores não RP: Com a evolução das tecnologias dos IDE's, das
usam máquinas auditadas, porque não há quem as audite? linguagens, dos paradigmas, etc... em que muito já é
(sim, eu confirmei, não há quem audite essas máquinas). quase que automático, acha que se perdeu a "arte de
Portanto, aqui ficamos entregues à bondade do nosso escrever software simples, eficiente e bonito" ?
fornecedor, o qual, apontando para um aumento do lucro do NG: Acho que não. Os IDEs são cada vez mais complexos e
seu negócio, nos diz que temos que pagar. cada vez mais versáteis. Quem se lembra do IDE (se é que
Portanto, e em resumo, deixem-nos inovar, deixem- se pode usar a expressão) do Turbo Pascal e da revolução
nos construir sobre o que já existe, e não nos limitem a que foi poder marcar bocados de código para alternar or
nossa capacidade com argumentos artificias e pouco fazer breakpoints (nas últimas versões) percebe o caminho
inteligentes. Nós, portugueses, merecemos melhor. (Ah mas enorme que fizemos. E a verdade é que a electrónica
é assim que se faz no resto do mundo? E depois?! nós cresceu e seguiu a Lei de Moore, mas aparentemente o
merecemos melhor!). software não o fez em igual medida. Eu acho que isto é só
um disfarce, na realidade o software cresceu imenso, não só
RP: Como vê a evolução das gerações futuras? em tamanho, mas muito mais em complexidade. E essa
complexidade é suportada por máquinas cada vez mais
NG: Ora essa a pergunta fatal, e se há algo que me pesa na rápidas. No entanto, numa altura em que muito do código
consciência é que apesar de andar a teclar desde 1983, pode ser automático, admito que fazer bonito possa ter uma
nunca fui capaz de prever nenhuma evolução significativa na interpretação diferente de antes, ou seja, antes fazia-se
tecnologia. No entanto, depois de 2010 deixei de ter bonito, e agora faz-se bonito, só que são tipos diferentes de
vergonha de fazer previsões sobre este assunto, porque, bonito.
penso eu, se errar ninguém me leva a mal, e se acertar,
então isso seria espetacular. Portanto aqui vai.
No futuro todos teremos serviços personalizados nos
nossos terminais móveis, que ainda estarão no nosso bolso,
mas que não estarão só no nosso bolso. Hoje em dia, o
smartphone é uma coisa, o computador na mochila é outra, o
computador no carro é outra (embora este já se ligue com o
smartphone e com os outros carros e com a central da
marca). No futuro, teremos terminais móveis na mesma,
provavelmente smartphones flexíveis, mas as capacidades
de fornecimento de serviços não estarão limitadas à
capacidade do smartphone em si, mas dos aparelhos que eu
possuo.
Quanto às gerações de profissionais de informática,
essas continuarão a ser o que sempre foram até aqui:
excelentes.
Mas não sei que raio de tecnologia os meus netos RP: Acha que o futuro será promissor para a tecnologia
irão usar... Basta ver a evolução que tivemos em 20 anos (de LoRa ?
1990 até 2010) para perceber que deixámos de usar
telefones fixos e que a maior parte da nossa vida digital se NG: Todas a tecnologias que nos permitam fazer
faz num ecrã táctil de 5”... comunicação de dados a longa distância sem usar fios são
interessantes. E muito necessárias, porque os custos de
RP: Fala-se muito em inteligência artificial e as suas instalação e de operação das redes só são suportáveis
aplicações. Em que áreas acha que fará a maior quando a dimensão da base de clientes é significativa, coisa
diferença ? que não acontece em todos os mercados e sobretudo, não
acontece nas zonas que não são densamente povoadas.
NG: Eu acho que vai fazer diferença em todas, mas há
algumas onde o seu surgimento demora a notar-se com RP: O que falta neste momento para Portugal ser uma
algum espanto meu. Por exemplo na banca de grande referência no mundo da tecnologia e das comunicações
consumo. Os bancos são maus gestores do nosso dinheiro e como foi no passado?
poderiam ser algo completamente diferente. Outra área é o
comércio das grandes superfícies: não percebo porque é que NG: Eu acho que ainda somos. Há empresas mundiais que
os talões de desconto que recebo em minha casa ainda regulamente se instalam em Portugal por alguma razão e as
insistem em anunciar fraldas e latas de comida para cão. nossas boas escolas de telecomunicações continuam a dar
Noutras áreas, como por exemplo a saúde, o aparecimento cartas do ponto de vista da inovação científica. Mas há uma
tardio é compreensível, uma vez que há uma enorme bateria circunstância à qual os ciclos de investimento não são
alheios, que é a questão dos problemas após a crise do sub-
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