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ENTREVISTA A: PROF. NUNO GARCIA
Nenhum político que saiba pensar pode falar palavras de mas também do Português, da Física mas também da
igualdade e de justiça e depois sentir-se confortável quando Psicologia, da Música mas também da Geometria. Desconfio
toma decisões que aumentam as desigualdades e que há problemas sistémicos associados ao ensino das
assimetrias. ciências, mas se é este o caso, ninguém ainda os resolveu
verdadeiramente. Talvez dentro de uns anos tenhamos que
RP: Pediamos-lhe que comentasse a seguinte frase concluir que a preferência por uma ou outra área do saber é
"The best way to learn is to teach" (Openhimmer). resultado de um qualquer viés cromossomático. Mas ainda,
NG: Só se sabe verdadeiramente quando se ensina, e por se assim for, não poderemos nunca deixar de nos esforçar
isso é que as mães são tão sábias, porque o trabalho delas por trazer mais mulheres para a engenharia, porque a sua
é ensinar e amar. Eu costumo dizer que o ciclo do visão do mundo e capacidade de trabalho já deram exemplos
conhecimento tem 4 etapas, desde logo o saber-conhecer, mais do que excelentes. Nas minhas primeiras aulas de
onde de aprendem as palavras dos nomes, as razões e os programação, pergunto sempre quem é que os alunos acham
porquês, o saber-fazer onde se aprende a por nas mãos que foi o primeiro programador, se um homem ou uma
aquilo que se sabe para transformar as coisas, o saber- mulher. Depois conto-lhes a história de Ada Lovelace, que é
aprender, que acontece por exemplo quando aquilo que uma história bonita e vos aconselho a conhecer. Como em
fazemos não nos parece ainda perfeito e vamos aprender a tudo, é preciso procurar os equilíbrios, e trabalhar no sentido
fazer melhor, ou por exemplo quando a curiosidade nos de os alcançar, porque é com esse trabalho que avançamos
impele a tentar algo novo, e finalmente, o saber-ensinar, bem rumo ao futuro.
que tem que forçosamente juntar estes três outros saberes
e permite que se aumente no outro o saber-conhecer, para
a partir daí voltarmos a dar mais uma volta. Em muitas das
minhas aulas de laboratório, estimulo a aprendizagem por O primeiro compu-
pares, em que os alunos ensinam e aprendem uns com os
outros (e eu aprendo também). A ideia antiga de que o
saber é propriedade do mestre e ele (ou ela) benévola e tador em que mexi
magnanimamente o transmite aos seus discípulos é hoje
uma cena dos livros antigos de papel. As relações humanas
tornaram-se complexas também na sala de aula e nós em (e foi mesmo só mexer,
informática sabemos bem isso.
porque a disquete com
Só se sabe verda- o Sistema operativo
deiramente quando se CP/M só apareceu na
ensina, e por isso é que semana seguinte) era
as mães são tão sá- português, o ENER
bias, porque o trabalho 1000. Baseado no mi-
delas é ensinar e amar. croprocessador Intel
(…) 8088, tinha uma conso-
la com teclado e ecrã e
um botão de reset tão
RP: Não sendo politicamente incorrecto, o que acha
sobre as tão levantadas questões sobre as paridades saliente e sensível que
de género na tecnologia ? Achas o género "relevante",
para ser ou não ser exímio na tecnologia?
NG: A questão da igualdade de género na tecnologia e na às vezes alguém passa-
ciência é sobretudo, do meu ponto de vista, um problema
de oportunidade e talvez, de educação. Sinceramente não va e desligava-o.
sei o suficiente para sequer fazer outra coisa senão
reconhecer que o problema existe e é grave, em particular
na área das engenharias. É um problema que se verifica à
escala mundial, e o meu melhor pensamento a respeito
disto é que nenhum pai e mãe nunca deixe de educar os
seus filhos e filhas para, sendo felizes, serem curiosos e
inventivos. Isto implica ensiná-los a gostar da Matemática
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