Page 784 - ANAIS - Ministério Público e a Defesa dos Direitos Fundamentais: Foco na Efetividade
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Molina  e  Luiz  Flávio  Gomes  ao  esclarecerem  que  ―a  vítima  suporta  os  efeitos  do  crime

                  (físicos, psíquicos, econômicos, sociais etc.), assim como a insensibilidade do sistema legal, o
                  rechaço e a insolidariedade da comunidade e a indiferença dos poderes públicos.‖ 871

                        Demonstrando  o  estado  de  permanente  aderência  que  os  efeitos  malignos  da
                  criminalidade  assumem  sobre a dignidade de suas vítimas,  Ana Sofia Schmidt  de Oliveira

                  esclarece que o fato  criminoso  por si  só  não resume todos os  efeitos  da vitimização, mas,
                  diversas vezes, apenas dá início a um processo que se desdobra em diversas fases, cujo acúmulo

                  serve para multiplicar o sofrimento dos ofendidos. 872

                        Observada  a  íntima  relação  entre  o  princípio  da  dignidade  humana  e  os  direitos
                  fundamentais,  que,  nas  palavras  de  Luís  Roberto  Barroso,  representam  ―as  duas  faces  de

                  Juno‖ 873 , permitir a eternização das ofensas suportadas pelas vítimas de crimes equivaleria à

                  inconcebível  aceitação  de  um  estado  de  não  reconhecimento  da  dignidade  ou  mesmo  de
                  desimportância quanto à condição humana daquelas pessoas atingidas pelo crime.

                        Antonio-Enrique  Pérez  Luño  aponta  a  existência  de  uma  dimensão  comunitária  e
                  interpessoal do princípio da dignidade, o qual não se limita à esfera de existência individual do

                  ser humano, e, por isso, interfere no sentido e no alcance dos direitos humanos e fundamentais.
                                         En el tránsito desde el Estado liberal al Estado social de derecho se ha producido  una
                                         redimensión  del  significado  constitucional  del  valor  fundamental  de  la  dignidad
                                         humana, que tiende a potenciar su dimensión dinámica y expansiva, al tiempo que  su
                                         orientación  interpersonal  y  comunitaria.  [...]  Esta  dimensión  intersubjetiva  de  la
                                         dignidad es de suma trascendencia para calibrar el sentido y alcance actuales de los
                                                                                                 874
                                         derechos humanos que encuentran en ella su principio fundamentador.

                        É esta dimensão comunitária e intersubjetiva da dignidade humana que faz com que o
                  desrespeito e a humilhação impostos a um indivíduo signifiquem hipótese de ofensa a direitos

                  humanos  e  fundamentais  lesiva  à  dignidade  de  todos  os  indivíduos  integrantes  da  mesma
                  coletividade,  os  quais,  ressalte-se,  são  absolutamente  iguais  em  dignidade.  Justamente

                  amparado na estreita relação entre justiça e paz, bem como na ideia de que a dignidade

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                    MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 6. ed. ref., atual. e ampl. São Paulo:
                     Revista dos Tribunais, 2008, p. 524.
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                     ―Um  enfoque  vitimológico  mais  amplo  permite  concluir  que  o  fato  criminoso  não  encerra,  em  si,  a
                     vitimização; antes, dá início a um processo de várias vitimizações em que, muitas vezes, o fator desencadeante
                     nem mesmo representa a mais grave delas.‖ (OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal.
                     São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 110-111).
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                      ―A dignidade humana e os direitos humanos (ou fundamentais) são intimamente relacionados, como as duas
                     faces de uma mesma moeda ou, para usar uma imagem comum, as duas faces de Juno. Uma, voltada para a
                     filosofia, expressa os valores morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual
                     respeito e consideração; a outra é voltada para o Direito, contemplando os direitos fundamentais. Esses últimos
                     representam a moral sob a forma de Direito [...].‖ (BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana
                     no  direito  constitucional  contemporâneo:  a  construção  de  um  conceito  jurídico  à  luz  da  jurisprudência
                     mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 75).
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                    PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. Teoría del derecho: una concepción de la experiencia jurídica. Madrid:
                     Tecnos, 1997, p. 224-225.






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