Page 786 - ANAIS - Ministério Público e a Defesa dos Direitos Fundamentais: Foco na Efetividade
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processual ou extraprocessual que tenha como objeto o tratamento da situação jurídica de uma

                  vítima  de  crime. 879   Dessa  maneira,  quando  o  sistema  de  justiça  criminal  não  apresenta
                  efetividade na apuração dos fatos e na aplicação da legislação penal que protege os direitos

                  humanos e fundamentais, acaba por denegar adequado respeito e atendimento à dignidade das
                  vítimas da criminalidade, com  efeitos  diretos  sobre  a própria sociedade  que testemunha as

                  violações de direitos ocorridas entre iguais. Na medida em que todos são iguais em dignidade
                  e em acesso aos mesmos direitos fundamentais, o reiterado desprezo à dignidade das vítimas de

                  crimes  influi  na  concepção  objetiva  da  sociedade  sobre  o  próprio  conteúdo  desse  valor

                  constitucional.
                        De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet e Jayme Weingartner Neto, quando a violação de

                  um direito explícito ou implícito representar hipótese de ofensa à dignidade humana, seja em

                  sua  dimensão  subjetiva  ou  objetiva,  estaremos  diante  do  desatendimento  de  um  direito  de
                  estatura  fundamental. 880   Desse  quadro  decorre  a  conclusão  de  que  o  Estado,  ao  lado  da

                  obrigação de respeitar os direitos e garantias individuais dos cidadãos, também possui o dever
                  de  desenvolver  a  adequada  e  eficiente  investigação  dos  ilícitos  penais,  com  a  efetiva

                  responsabilização do agente infrator culpado, sob pena de desconsideração à dignidade humana
                  da pessoa ofendida pelo ilícito.

                        Os  deveres  de  proteção  que  são  impostos  ao  Estado  pelos  direitos  fundamentais

                  encontram  correspondência  no  plano  internacional  dos  direitos  humanos  na  doutrina  das
                  obrigações positivas (obligaciones positivas), de acordo com a terminologia adotada pela Corte

                                                       881
                  Interamericana  de  Direitos  Humanos ,  ―na  indicação  de  que  os  Estados  têm  a obrigação
                  de proteção dos direitos afirmados nas respectivas Convenções.‖ 882

                        Nesse contexto, a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem
                  interna dos Estados assumiu, ao lado das normas de direito fundamental, a execução de papel

                  central  da  construção  das  diretrizes  práticas,  normativas  e  hermenêuticas  que  devem

                  fundamentar todo o sistema de justiça criminal.



                  879
                     ―Evidentemente,  el  respeto  a  la  dignidad  es  una  expresión  amplia,  de  contenido  indeterminado,  que  da
                     cabida a muy diversas actuaciones de significado y extensión muy variados. Por otro lado, es um derecho que
                     debe estar presente en cuantas actuaciones de caráter pre-procesal, procesal o extraprocesal se vea implicada
                     la víctima, si bien parece que en el marco del proceso penal debe tener una presencia relevante.‖ (HERMIDA,
                     Ágata Maria Sanz. Víctimas de delitos: derechos, protección y asistencia. Madri: Iustel, 2009, p. 53).
                  880
                    SARLET, Ingo Wolfgang; WEINGARTNER NETO, Jayme. Constituição e direito penal: temas atuais e
                     polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 33.
                  881
                    Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Kawas Fernández Vs.Honduras, Mérito, Reparações e
                     Custas, sentença de 03 de abril de 2009, Série C, n. 196.
                  882
                    FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: a constituição penal. 2. ed. rev. e ampl. Porto
                     Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 102.




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