Page 22 - Quando chegar a primavera
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                      gos  verdadeiros.  Sequer  imaginava  que  imperceptíveis  doses  de

                      constritor veneno, acumulava-se em suas artérias, esgotando qualquer


                      possibilidade  de  recuperação.  Ano  após  ano,  ao  notar  resistência,


                      resiliência e recuperação inesperada, modificava a substância dosada,


                      o que não levaria muito tempo para cumprir o efeito desejado.





                          Afonso de Sena era astuto e soberba. Desde moço, consorciou-se

                      com  Maristela  Arzão,  herdeira  do  ramo  industrial  paulista


                      quatrocentista  da  região  de  Taubaté.  Moça  de  penca  beleza,


                      desprovida de atributos da elegância e da viscosidade febril, era notada


                      por sua extrema feiura. Bucho quebrado, ventas descomunais, queixo


                      minimalista,  quase  fino  rasgo,  olhos  vesgos.  Muito  cedo,  De  Sena

                      evitava toda forma de contato, fazendo meras cerimônias, em sessões


                      públicas,  para  agraciar  e  despistar  a  fama  de  horrenda  desgraça  da


                      moçoila  infeliz.  Dessa  maneira,  não  deixava  de  frequentar  a  alta


                      sociedade paulista, sempre de braços dados, farto sorriso e gentilezas


                      de mimos, prestados à desditosa rapariga.




                              Em  matéria  de  burlesca  animação,  De  Sena  somente  perdia  para


                      Manoel  Trigueiro.  Tão  bem  dotado  em  beleza,  quanto  de  petrolífera


                      maldade.  Um  sanguinário  sob  pele  de  pombalina  criatura.  Todas  as


                      donzelas esculpiam seus mais íntimos desejos para lhe saciar o apetite


                      sexual.  Famoso  por  ser  olímpico  atrator  e  pervertido  sádico,  numa

                      sociedade  que  elege  migalhas  estúpidas  de  frivolidades  carnais,  em


                      oposição à ética sacral da comunhão entre almas imorredouras, era o


                      fast  food  sexual  mais  cobiçado  entre  as  longitudes  de  sud'américa.


                      Manoel Trigueiro avolumava-se entre as garotas. Peito estufado, ancas


                      proeminentes, mexia, com libidinosa arrogância, nas energias pútridas


                      que  emanava  de  seu  tônus  progenitor.  Nos  programas  ancestrais,

                      aquela  energia  potencializará,  em  futuro  breve,  a  composição  do


                      invólucro carnal de Caio Trigueiro, dois anos mais tarde.





                              Nem  Afonso  de  Sena  e  nem  Manoel  Trigueiro  consumiam  suas


                      forças  nefastas  com  disputas.  Sentiam,  sem  consciência  de  tal  efeito,

                      que  se  irmanavam,  mutuamente,  apesar  de  disputas  acirradas,  que


                      mobilizavam  suas  comunicações.  Era  admirável,  às  sombras,  os  brios


                      de deboche e de satisfação nas trocas de ofensas, quebras de braço e


                      rasteiras. Disputavam o tempo inteiro, mas, não minavam suas forças.


                      Antes, multiplicavam aprendizados. O que um não sabia, aprendia com
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