Page 68 - Quando chegar a primavera
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força de corações protegidos, em confiança e maturez, jamais
alberga a solidão. Em meio à movimentada Avenida Paulista,
peregrinos, em conversa amistosa, acotovelam-se. No clima agradável,
temperatura de menos vinte graus Celsius, já corria de boca em boca, a
notícia de que políticos de prestígio, junto ao empresariado nacional,
estariam ativando esforços de apoio à exposição japonesa, nas
dependências do Museu de São Paulo. A dificuldade inicial de garantia
do espaço, vez ou outra, com as crises do departamento financeiro,
gerava dividendo por empréstimos. Na ocasião, o convênio Mie-São
Paulo cumpriria o intento. A palidez amistosa do sol, emanando
luminífera coloração amarelada, envolvia a todos no ano de 1982. Os
vestígios das revoluções culturais há pouco havia transmutado os
sentimentos humanos, reverberando, na impossível indiferença ao
medo, insegurança por toda parte, regada ao misto de ousadia e
desrespeito às instituições.
O edifício, de arquitetura marcada por brutalismo, não deixava de
despertar o interesse de Alexandre. Em seus trinta anos completos,
sentia imensas saudades de Flávia, principalmente, na ocasião em que
as artes expressionistas, finalmente, teriam destinação aberta à
apreciação pública. Expressionistas alemães, esculturas de Edgar
Degas e obras de Pablo Picasso não animavam os visitantes brasileiros,
distraídos pelo avesso ao abstracionismo. Quanta falta sentia, naquele
e em muitos instantes. A perda de Flávia, justamente quando a
pobrezinha acabara de debutar, trazia luto e tristeza irreparáveis. Os
seis anos de convivência diária passaram com o piscar de olhos. No
sótão da memória, a morte inesperada, cumpria abrigo. Não houve
despedida mais honrosa do que aquela - pensava em voz alta, entre
lágrimas e sorriso discreto. Durante a festa de quinze anos, Flávia
dançou e abraçou a todos os presentes, com entrega de sorriso
inigualável. Depois, adormecida, não retornou ao casulo orgânico. A
fatalidade do diagnóstico de Bangungut, síndrome da morte noturna
inexplicada, até hoje soa avassaladora.