Page 9 - Quando chegar a primavera
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O ECO DO
TEU NOME É
ESCONDE-SE
NO SOL QUE VAZIO
CHEGA
Não me lembro. Em desassossego incomum, não me lembro. A
via da memória esculpe, em linguagem fácil, imagens.
Sinceramente, o que sentimos, do que vivemos em parceria
com outro alguém, é construção. Construção daquelas que
expõe tato, contato, receio de quebra e de ficar no meio do
caminho. Mas, sei de algo importante: os relacionamentos não
nascem de repente. Vão se costurandos entre afinidades,
muros, sinuosidades de códigos que, ao modo de nossas
aprendizagens, creditamos às nossas verdades. Quase sempre,
vemos o que não existe. Criamos um mundo que nos
aconchegue. E, não conseguimos entender, aquele instante
exato, que não mais sabemos decifrar a linha fina, quase
invisível, do contorno de si mesmo.
As histórias de amor são feitas de imagens que alimentamos. É
como um filme, composto por fotografias que registram,
estáticas, o fluxo do vivido. Então, é preciso repeti-las, e
rapidamente, e sempre, em sequência, para dinamizar
sentidos. Há um sabor que se destila no degustar das
memórias. Como são imagens, algumas delas, muitas vezes
nos fazem dançar. Em outros, tantos e variados momentos,
nos lançam em silêncio profundo, quase estranho e avesso ao
que desejamos manter vivo. Partilhar caminhos ao lado de
outro alguém é um convite à morte. Também é nascimento e
vida, que se mantêm entre labirintos. Morrer é
constantemente sentido, perceptível, se faz notar no corpo. Já
a vida, rasga e chega com o grito inesperado da surpresa. É
confuso, às vezes. Saber decifrar quando se vive e quando se
morre é um dos mais paradoxais pedidos que nos endereça, o
amor.