Page 13 - Quando chegar a primavera
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s ventos açoitavam as janelas em insistente movimentação. Na
penumbra dos pensamentos, vozes familiares acusavam, sem piedade,
atormentando em companhia de angústia e culpa, repetidas vezes, a
falta de coragem. Já não era tarde demais para mudar de rumo? Afinal,
por tanto tempo, aquela situação se manteve omissa, mesmo que, dia
após dia, os resultados demonstrassem acúmulo de tentativas
frustradas. O ácido faz de conta que nada aconteceu, no dia seguinte,
compunha quadros lamentáveis de autoabandono. Sujeira emocional,
ruidosa e fétida acumulavam-se nos labirintos de engenhoso pedido de
desculpas, já envelhecido, repetitivo e desgastado. Então, cabia
somente escolha, ou do refúgio de silêncio, ou de gritarias infernais,
filhas do medo e da rota incompreensão mútua.
Alexandre Almuz não entendia, na devida amplitude, as razões pelas
quais Túlio Bolton passara a demonstrar indiferença. O trabalho no
escritório de advocacia lhe esgotava as forças, bem sabia. Mas, as
constantes saídas para apoio emocional de amigos recentes, causava a
Alexandre, leve desconfiança de envolvimentos emocionais furtivos.
Não é que seja traço marcante de personalidade, a insegurança, em
Alexandre. Desde pequeno, não foi difícil entender que, em matéria de
relacionamentos, o comprometimento se desenvolve em torno a si
mesmo, na direção de outrem, sem que, com isso, possa manifestar
qualquer tipo de exigência de reciprocidade. Assim, o estranho era não
ter notado aproximações, cada vez mais estreitas, com outras
composições do sentimento humano, em desarmônica manifestação.
No entanto, havia mais assertividade do que conflito nas circunstâncias
que passaram a se repetir, sem trégua, em mistos de galopantes pulos
no abismo da irascível desorientação.
A pequena Flávia, irmã única de Bolton, animava-se toda vez que o
Tio Assan* cobrava-lhe visita. Era dia de festa. Arrumava-se com
esmero, reclamando, com forte personalidade, ao gosto da emoção
que animava o momento. Ninguém conseguia desviar-lhe do caminho.
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Hipocorístico (redução vocabular) ou vocativo empregado por Flávia para demonstrar trato afetivo doméstico por Alexandre Almuz