Page 15 - Quando chegar a primavera
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                                                            D. Anória Bolton, mãe de Túlio, viúva recente, titubeava entre dores


                                                        distintas. A dor de perder inesperadamente o marido e o sepultamento


                                                        progressivo  do  filho  amado  consumiam  a  mente  com  gravidade  de


                                                        perturbação.  Mal  conseguia  alimentar  o  próprio  corpo  e  cumprir  as

                                                        etapas de higiene pessoal. Vivia presa em amargurada acusação de si


                                                        mesma,  cobrando  posturas  jamais  tomadas  ao  largo  dos  seus


                                                        cinquenta  anos  de  idade.  Estava  magérrima,  definhando-se,  em


                                                        intencional  desprezo.  Olheiras  enormes  apagavam  as  expressões  de


                                                        saúde.  Odores  repugnantes,  exalados  em  momentos  de  alucinado


                                                        desespero,  saiam  de  sua  garganta,  agora,  emissora  de  ruídos

                                                        inumanos, típicos de sombria densidade.





                                                            Flávia, ao contrário, procurava sustentar fios de esperança em dias


                                                        melhores. Ao invés de obter atenção e cuidados maternos, tornara-se,


                                                        em  papel  inverso,  o  abrigo  seguro  aos  familiares,  já  que  as

                                                        circunstâncias  exigiam.  Então,  por  um  lado,  zelava  da  mãe  e  da


                                                        papelada enorme aos seus cuidados indiretos, relativos à propriedade


                                                        comercial e empresarial da família; por outro, não abandonava o irmão,


                                                        Túlio  Bolton,  a  quem  amava,  incondicionalmente.  Para  que  tudo


                                                        funcionasse,  o  Senhor  Edison  Bolton,  pai  amado,  falecido,  deixara


                                                        quantia  considerável  de  dinheiro  aos  cuidados  de  Claudio  Ferraz,

                                                        contabilista, amigo e pretor da família. Como parte do acordo, manteve


                                                        Lícia Dória, doméstica devotada, como herdeira de sadios costumes e


                                                        de  porção  generosa  de  terrenos,  conta  bancária  e  salário  vitalício.


                                                        Dessa maneira, a pequenina não sucumbiria desgastada e solitária.




                                                                O  clima  da  casa  somente  rompia  com  o  desolador  quadro  pela


                                                        presença de Alexandre. Com o olhar magnético, característico daqueles


                                                        que se nutrem de serenos aprendizados, o sorriso encantador não se


                                                        destituía com facilidade. A graciosidade dos trejeitos delicados davam-


                                                        lhe  aura  de  confiante  abrigo.  Dedos  longos,  pele  branca,  corte


                                                        impecável  de  cabelo  e  postura  refinada,  compunham,  ao  lado  da

                                                        personalidade calma e ponderada, sinais de bondosa figura, apesar de


                                                        seus  vinte  e  oito  anos  de  idade.  Ninguém  ficava  indiferente  com  sua


                                                        presença.  E,  junto  a  Flávia,  o  ar  pesado  se  dissipava.  D.  Anória


                                                        conseguia  romper  a  catatônica  realidade  em  que  vivia  submersa,


                                                        abraçando-o como filho, irrompendo em lágrimas e lamúrias de breves

                                                        manifestações. Tornara-se comum, instantes seguidos ao acolhimento,


                                                        momentos  de  recomposição  ao  corpo  e  à  alma  de  D.  Anória.  Então,


                                                        passavam a sorrir, entretidos com animada conversa sobre assuntos va
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